Exames ou provas de aferição?*
A ideia de que os exames constituem um meio de melhorar a qualidade das aprendizagens no ensino básico, ou de garantir que o essencial é aprendido, está relacionada com a acusação de que atualmente os professores primam pela falta de exigência, de que resulta os alunos passarem sem saber.
Enquanto vários intervenientes na comunicação social iam dizendo isto, os indicadores internacionais mostravam que Portugal era um dos países europeus onde o insucesso escolar era maior. Em A retenção escolar no ensino obrigatório na Europa (Eurydice, GEPE, 2011), documento disponível no sítio da Direção Geral de Estatísticas de Educação e Ciência, Portugal aparece como um dos países em que a prática da retenção escolar é mais utilizada. No extremo oposto, encontram-se três países sem “chumbos” (Inglaterra, Noruega e Islândia) e, no meio, muitos outros em que a percentagem de chumbos é muito baixa ou mesmo irrisória.
A comissária da educação, Androulla Vassiliou, resume assim no prefácio uma das conclusões: “Se alguns alunos repetentes conseguem recuperar, a grande maioria não consegue. A taxa de retenção é significativamente mais elevada no caso das crianças que provêm de grupos socioeconómicos menos favorecidos e, a longo prazo, os resultados dos alunos repetentes são muitas vezes inferiores aos dos alunos com dificuldades que não repetiram o ano”. Acentua-se assim a ineficácia pedagógica e observa-se a seletividade social deste procedimento.
Nessas conversas, raramente eram questionados ou relacionados os dois aspetos contraditórios: por um lado, a falta de conhecimentos e competências que deveriam ter sido adquiridos na escolaridade básica, por outro, as elevadas taxas de insucesso e de abandono escolar. Era habitual vermos o comentador contrastar a situação atual com a do seu tempo de escola. Por exemplo, diziam que no seu percurso escolar, estudavam só para os testes e para os exames e, por isso, a falta de provas verdadeiramente desafiadoras resultava no facto que urgia combater: os alunos passarem sem saber.
Explicitemos a questão: se há falta de exigência dos professores porque são elevadas as taxas de insucesso? O argumento da falta de exigência cai por terra se verificarmos os resultados das provas de aferição e dos exames. Constata-se que a classificação da frequência era, muito frequentemente, mais baixa do que a das provas de avaliação externa. Como o peso da frequência era maior, o exame não influía no resultado final.
Se a exigência dos professores já era demasiada – a julgar pelos estudos comparativos, os professores portugueses eram dos que reprovavam mais – que influência terá tido o exame no sistema? Algum efeito diagnóstico e formativo os exames tiveram, pois houve análises, houve treino centrado nas questões dos testes, mas no que diz respeito à exigência, apenas terá aumentado a dos anos anteriores às provas de exame.
Para salvaguardar a sua situação, muitos professores tendem a exigir que os alunos estejam convenientemente preparados para o programa do ano de exame. Qual a solução? Dar-lhes mais tempo nos anos anteriores, aumentando a taxa de insucesso no 2º e no 5º. “Não facilitem, olhem que no próximo ano há exame”, passa a ser palavra de ordem nos conselhos de turma.
Uma parte da dificuldade em debater este assunto está nos próprios termos empregues. Muitos intervenientes falam a partir da sua própria experiência numa escola que era seletiva por definição, onde não havia a situação do aluno ter obrigatoriamente de continuar a frequentá-la, com maior ou menor sucesso. Assim, a oposição entre facilitismo e exigência diz respeito a um universo de alunos que, de ciclo a ciclo, se ia tornando cada vez mais selecionado e seletivo. Pelo contrário, na escola atual, acresce aos casos de insucesso ou de ritmos mais lentos de aprendizagem, uma quantidade apreciável de alunos de necessidades educativas especiais que é incluída nas turmas sem qualquer perspetiva de seguir os programas de ensino. Por exemplo, há alunos no 6º ano de escolaridade que não sabem ler e não têm o objetivo de aprender a fazê-lo.
O fato do exame ser inadequado para uma escola que não pretende excluir ficava patente nos frequentes casos de necessidades educativas especiais, em que o classificador da prova ficava sem critérios. Por exemplo, um disléxico ficava com o máximo da pontuação destinada à ortografia, pois não podia ser prejudicado nesse parâmetro. Um aluno com dificuldades cognitivas, ficava com a totalidade da cotação destinada à compreensão do texto. Há evidentemente uma contradição entre estes casos rotulados de necessidades educativas especiais, que têm licença para passar formalmente de ano sem cumprir os objetivos e os outros alunos que repetem, por vezes, mais do que uma vez, o mesmo ano letivo.
Concluindo, a introdução dos exames reforça a dimensão sumativa e seletiva da avaliação. Para manter os alunos na escola, precisamos de reforçar a dimensão formativa, enfatizando a continuidade das aprendizagens, criando mais oportunidades de cada aluno trabalhar sobre itens programáticos anteriores incompletos ou lacunares, premiando os pequenos progressos realizados por alunos com dificuldades e criando paralelamente contextos onde outros alunos possam realizar desempenhos mais rápidos e de maior qualidade.
A transformação das provas de aferição em exames finais de ciclo foi um retrocesso recente no nosso sistema de avaliação. Portugal passou a ser, talvez a par apenas com Malta, um caso raro de país europeu que realiza exames nacionais para a classificação dos seus alunos nas idades correspondentes ao final dos 1º e 2º ciclos. Exames nacionais de alunos na Europa, uma publicação da Eurydice e do GEPE, 2010, disponível no sítio já referido, com dados referentes a 2008/2009, mostra que a maior parte dos países tem provas de aferição em vários níveis e disciplinas na primeira parte da escolaridade obrigatória (até aos 16 anos). Alguns têm exames no fim da escolaridade obrigatória, como Portugal, mas não a meio do percurso.
Havendo provas de aferição externas que se pretendem formativas, os professores são encorajados a progredir no sentido da integração e não no da exclusão.
Luís Filipe Redes
*Texto enviado para o Público a 12 de janeiro de 2016, não publicado e sem qualquer resposta.