Fundou as revistas Ariane e Dedalus, coordenou a revista Vértice e colaborou em inúmeras publicações, como Letras e Artes e O Tempo e o Modo, tendo publicado regularmente crítica literária no suplemento Ípsilon, do jornal Público, em 2007.
Foi um grande leitor de poesia, tendo publicado ensaios ou prefaciado obras de dezenas de autores, de entre os quais poetas e escritores como Pessoa, Saramago, Carlos de Oliveira, Herberto Helder, Ruy Belo, Sophia, Luiza Neto Jorge, Maria Gabriela Llansol, Maria Velho da Costa, Almeida Faria, entre muitos outros.
Como diz o ensaísta António Guerreiro, ao falar da ‘tarefa da poesia’ de Manuel Gusmão, título que remete diretamente para o ensaio de Walter Benjamin sobre a ‘tarefa do tradutor’, a “poesia foi para [Gusmão] uma «tarefa» dotada de alto sentido político, imanente à materialidade da linguagem; e também um exercício de reflexão sobre a própria literatura, em diálogo com todas as artes.” Essa reflexão pressupõe um ‘compromisso formal muito rigoroso’, como refere Guerreiro, e uma ‘justa língua «política»’, que ‘constrói e articula um mundo’ – mas, nunca deixando de ser um pensador marxista, que fez parte do comité central do PCP, Gusmão tinha uma dicção poética particularmente exigente, rigorosa, intensa, profundamente humana, “indomavelmente realista” (diz, na Poesia Portuguesa Contemporânea, Joaquim Manuel Magalhães, que foi um dos muitos companheiros da ‘sua’ comunidade de escritores, poetas, artistas, cineastas, gente do teatro), dicção poética que tanto dialoga com autores como Camões, Carlos de Oliveira ou Herberto Helder, como faz ‘uma montagem de cenas, que por vezes vêm do cinema’ e que funcionam como ‘elementos de cenas verbalmente inventadas’. Ou, pelas palavras do poeta, numa entrevista a Luís Miguel Queirós, no Público, aqui retomadas por Hugo Pinto Santos:
“Há uma montagem de cenas, que por vezes vêm do cinema, mas que não são ecfrásticas, no sentido de descreverem um plano cinematográfico. São imagens que funcionam como elementos de cenas verbalmente inventadas. No mesmo poema, posso montar imagens de diferentes filmes e construir um poema que é um outro filme. Interessa-me a relação possível entre a imagem literária e cinematográfica. Não é evidente à partida, mas pode encontrar-se pelo ponto de vista da alucinação.”
Nesse sentido, António Guerreiro fala de um ‘diálogo de géneros’ na poesia de Manuel Gusmão – diálogo e ‘impureza genológica’, que “não se limita ao teatro, integra a teatralidade, o dialogismo teatral como processo”, numa equivalência entre ação poética e ação política ‘afastada de qualquer lógica de instrumentalidade’.
De facto, “Livre é o dom nas mãos do mundo: a alegria”, escreve Gusmão no início do último poema [“g;”] do primeiro dos “Quatro andamentos para um alfabeto” (in Gusmão, M. (2007). A Terceira Mão (p. 26). Caminho).
E, no poema anterior [“f;”, id., ibid.]:
Ouves o desconcerto: essas aves rasgam o sangue
que as inventa e cantam roucas, crocitam e grasnam
ásperas o amargo e doce crepúsculo da manhã
que outra vez no teu corpo nasceria.
Ouves também esse verão antigo. E depois
escutarás a estação que traduz as coisas
para mais perto do seu nome
e abre a árvore ao claro incêndio das suas aves.
Folheando-a, a mão do mundo
dobrava a noite que entrava
enquanto o mar descia o amor até aos corpos
e isso era durante séculos uma enseada clara.
Ou ainda, por outras palavras (de Manuel Gusmão):
“O carácter profundamente transformador do trabalho humano, o facto de uma criança de dois anos ser capaz de produzir uma frase que nunca ouviu, o facto de a poesia reinventar a língua em que se escreve, o facto de as artes serem construções antropológicas e de os humanos se configurarem e reconfigurarem, segundo uma auto-poiesis histórica, são fundamentos suficientes para que nos possamos, sem mais garantias, prometer um futuro, «uma terra sem amos».”
“Porque nós habitamos o mundo, e o mundo é a nossa tarefa”, concluía Gusmão.
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