Reflexões sobre o atual modelo de Avaliação Externa
No dia 29 de maio de 2020, a APP realizou um debate sobre avaliação externa, através de videoconferência, com a participação de vinte e dois sócios e dinamização de Paulo Feytor Pinto. Discutiram-se provas de aferição, provas finais e exames finais nacionais, com a preocupação de aprofundar questões associadas ao atual modelo de avaliação externa das aprendizagens dos alunos. O debate beneficiou da partilha de experiências, de posições e de reflexões diferenciadas, no pressuposto comum de que o objetivo central da avaliação é melhorar o processo de ensino e aprendizagem. Este pressuposto tem em conta os conhecimentos, as capacidades e as atitudes a desenvolver, no âmbito das áreas de competência do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, e é concordante com os princípios e finalidades expressos no Decreto-Lei n.º 54/2018 e no Decreto-Lei n.º 55/2018, diretamente relacionados com a avaliação. Com efeito, se no DL n.º 54, ela “vem concretizar o direito de cada aluno a uma educação inclusiva que responda às suas potencialidades, expectativas e necessidades.” (p. 2918), no DL n.º 55, “A avaliação, sustentada por uma dimensão formativa, é parte integrante do ensino e da aprendizagem, tendo por objetivo central a sua melhoria baseada num processo contínuo de intervenção pedagógica” (Art.22.º, 1).
As intervenções nesse debate, precedendo a realização dos exames finais nacionais de ensino secundário para acesso ao ensino superior, no contexto do cenário pandémico da COVID-19, constituíram-se na base do conjunto de reflexões que agora se apresentam.
Considera-se indispensável que o sistema educativo português contemple a avaliação externa das aprendizagens dos alunos ao longo dos ensino básicos e secundário, contudo, uma excessiva importância dada a um determinado instrumento de avaliação, como tem acontecido relativamente aos exames finais nacionais de ensino secundário, faz com que os conteúdos curriculares que são previsivelmente avaliados com esse instrumento se tornem os mais valorizados no próprio processo de ensino aprendizagem de todo o ensino secundário. Nesse sentido, o atual modelo de avaliação externa parece fazer perdurar uma lógica de avaliação que se afasta das novas prioridades, entretanto introduzidas pelo Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (ME, 2017).
Dos resultados de aprendizagem enunciados no Perfil dos Alunos, são vários os que não são passíveis de avaliação com o atual modelo de avaliação externa assente numa única prova individual escrita, de duração limitada. No caso das provas finais e dos exames finais nacionais, trata-se de um teste realizado no final de um ano letivo, com vários dos seus itens focados em conteúdos declarativos, dadas as características deste tipo de avaliação, que se pretende fiável e objetiva para quem responde e para quem classifica, que não tem por objetivo melhorar as aprendizagens dos alunos.
No conjunto das sete ações relacionadas com a prática docente, apresentadas como sendo determinantes para o desenvolvimento do Perfil dos Alunos, nenhuma refere o papel que o atual modelo de avaliação externa tem no sistema educativo. Dito de outro modo, no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória são favorecidas práticas letivas que não se articulam claramente com o modelo de avaliação externa: por um lado, as práticas docentes devem “valorizar, na avaliação das aprendizagens do aluno, o trabalho de livre iniciativa, incentivando a intervenção positiva no meio escolar e na comunidade” (p. 31), por outro lado, são adotadas como padrão de referência da Inspeção-Geral da Educação e Ciência as classificações dos alunos obtidas nos exames. É difícil afirmar que, até à atualidade, o modelo de avaliação externa tenha avaliado, por exemplo, “a experimentação de técnicas, instrumentos e formas de trabalho diversificados, promovendo intencionalmente, na sala de aula ou fora dela, atividades de observação, questionamento da realidade e integração de saberes” (idem) ou “atividades cooperativas de aprendizagem, orientadas para a integração e troca de saberes, a tomada de consciência de si, dos outros e do meio e a realização de projetos intra ou extraescolares” (ibidem).
Em síntese, tendo em conta um dos princípios orientadores expressos no DL n.º 55, a “Valorização da complementaridade entre os processos de avaliação interna e externa das aprendizagens” (Art.4.º, v), a flexibilização curricular e a implementação de metodologias ativas, justamente recomendadas pelo ME, deveria ter objetivos consistentes com a avaliação externa de aprendizagens levada a cabo. O atual modelo continua a ser paradigmático de sistemas educativos centrados na competição individual entre os alunos e em critérios de seleção baseada em exames dos que pretendem aceder ao ensino superior.
Em consequência, o ME deveria optar de modo inequívoco por um sistema educativo focalizado no Perfil dos Alunos ou focalizado nos exames nacionais – os dois, em simultâneo, não são consistentes e parece não caber aos professores resolver um paradoxo criado pela tutela.
Nesse sentido, considera-se que um novo modelo de avaliação externa das aprendizagens dos alunos, consistente com o Perfil dos Alunos, deveria ter em conta os aspetos que se apresentam a seguir.
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Para a avaliação contínua e sumativa das aprendizagens dos alunos do ensino secundário não é necessário um exame nacional de conclusão do 12.º ano. A solução encontrada para os exames no presente ano letivo evidencia, de forma inequívoca, que os exames nacionais do ensino secundário são, na verdade, provas de acesso ao ensino superior. Ora, o modelo de acesso ao ensino superior de uma parcela infelizmente ainda pequena dos alunos portugueses não se nos afigura como uma necessidade do ensino secundário nem como uma competência deste nível de ensino ou mesmo do Ministério da Educação. O acesso às universidades e institutos politécnicos, tutelados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, deveria caber a essas instituições, tendo em conta o currículo do ensino secundário e uma estreita articulação entre representantes dos cursos específicos e representantes do ensino secundário designados. Será igualmente de considerar a necessidade de uma revisão do Artigo 12.º da Lei de Bases do Sistema Educativo, relativo ao acesso ao ensino superior, de forma a poder ser levada em linha de conta a escolaridade obrigatória, bem como a valorização do ensino secundário em si mesmo, ultrapassando a sua atual situação, ainda refém do ensino superior.
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No final da escolaridade obrigatória, aos 18 anos de idade e independentemente do ano de escolaridade, seria vantajoso haver um mecanismo de certificação ou validação das competências desenvolvidas em todas as 10 áreas enunciadas no Perfil dos Alunos: linguagens e textos; informação e comunicação; raciocínio e resolução de problemas; pensamento crítico e pensamento criativo; relacionamento interpessoal; desenvolvimento pessoal e autonomia; bem-estar, saúde e ambiente; sensibilidade estética e artística; saber científico, técnico e tecnológico; e consciência e domínio do corpo.
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Ao longo do ensino básico e secundário deveria concretizar-se uma avaliação externa que aferisse as aprendizagens dos alunos em todas as disciplinas e em todos os anos de escolaridade. Dado o elevadíssimo número de disciplinas e os 12 anos de escolaridade implicados, esta avaliação externa poderia abarcar rotativamente diferentes disciplinas e anos de escolaridade em cada ano letivo. De modo a reduzir a influência da avaliação externa nas práticas docentes, ou seja, no currículo real, nas metodologias de ensino e nos instrumentos de avaliação interna, esta avaliação aferida deveria realizar-se por amostra, segundo os procedimentos há já 20 anos utilizados pela OCDE e pelo ME no âmbito do PISA.
É nossa intenção continuar a promover o aprofundamento da reflexão conjunta sobre as questões da avaliação externa, que a todos os professores dizem respeito, no sentido de ser melhorada a qualidade do ensino e da aprendizagem e de forma a serem alcançadas as competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.
A direção da APP
8 de setembro de 2020