Bom dia a todas, bom dia a todos. É uma honra dar início oficial à 16ª edição do Encontro Nacional da Associação de Professores de Português. Ao longo dos anos, desde o já longínquo 1995, debatemos como o Português podia ser a língua dos nossos projetos, até ao 15.º ENAPP, em 2023, em Lisboa, em que colocámos o Português em jogo e em projeto – o que pressupõe alguma ligação temática entre ambos –, passando por outros temas como a transversalidade da disciplina e a interdisciplinaridade, a avaliação, o enfoque em domínios específicos, como a oralidade, a literatura, a gramática e a leitura, e de forma implícita a escrita, mas também as ligações subjacentes a diálogos, conversas e aquilo que se projeta e joga numa língua.
E chegámos a julho de 2025, depois do debate | APP de janeiro sobre o ensino da literatura: cânone e competências complexas de leitura, com um conjunto grande de preocupações, que referimos na apresentação do Encontro:
Numa situação de ‘tempestade perfeita’, num contexto de insuficiência de professores de Português durante uma década, pelo menos, e em que parece não haver capacidade instalada no ensino superior para responder rapidamente a esta necessidade urgente, e sem que o sistema educativo consiga atrair os melhores alunos do secundário para esta profissão, e em que cerca de 35% dos alunos nunca ou raramente leem livros ao longo de toda a escolaridade, e em que a escola não sabe muito bem o que fazer, nomeadamente em termos de literacia de leitura, com os alunos que ficam retidos nalgum ano, o que se traduz em resultados escolares fracos, em séries longas de resultados – por ex. na avaliação externa – nesta situação de ‘tempestade perfeita’, como dizíamos, constatamos que os alunos continuam a ler pouco e não aprendem melhor, não conseguindo falar ou escrever sobre um texto com verdadeira autonomia crítica.
Olhemos de novo para o passado.
Entre a Conferência Internacional para o Ensino do Português, em 2007, em Lisboa, em que Luís Prista reconhecia que, nas aulas de Português do secundário, ainda prevalecia o modelo da aula «textocêntrica mas com pouca leitura», seguindo o formato de planificação a partir do texto, que era lido pelos alunos sem tarefa explicitada e questionário oral fundamentalmente avaliativo, e a apresentação, em 2025, pelo IAVE, do Relatório descritivo de resultados dos exames finais nacionais do ensino secundário 2017-2023 – principais conclusões e potencialidades pedagógicas, verificamos a persistência de resultados escolares fracos que derivam, sobretudo, de fragilidades na competência leitora, no pensamento complexo e na análise crítica, que indiciam claramente que, ao longo do percurso escolar dos alunos, são desenvolvidas principalmente competências de menor complexidade cognitiva – os níveis 1 e 2 da taxonomia usada na avaliação externa e que correspondem a reconhecer e reproduzir, ou interpretar e aplicar, respetivamente (e não a raciocinar e extrapolar, por exemplo).
Está em causa, no que respeita especificamente à leitura, a realização de inferências, a explicitação de valores simbólicos, o estabelecimento de relações complexas entre diferentes elementos textuais – mas também a estruturação do discurso e a correção linguística.
No plano do ensino da oralidade, os dados continuam a apontar para o facto de que a compreensão e a expressão oral são sobretudo meios de avaliação, não sendo constituídas como um objeto de aprendizagem com conteúdos explícitos. Muitas perspetivas didáticas continuam a encarar a oralidade como um apoio / extensão da escrita pelo que, não raro, falar é sinónimo de escrever. Acresce que a formação de base dos professores não lhes permite compreender o oral como sendo composto por várias dimensões que cumpre trabalhar explicitamente em sala de aula, que se concretiza em géneros orais, que têm especificidades próprias e que deverão ser sistematizadas e trabalhadas. Por fim, os próprios documentos de referência curricular acabam por apresentar propostas demasiado genéricas que não contribuem para o efetivo desenvolvimento das práticas em sala de aula.
A resposta a estas preocupações – e às perguntas que podem ler no programa do encontro – passam por algumas das reflexões que podem encontrar na página da APP e que temos partilhado com os professores de Português, muitos dos quais nossos sócios – e o número não pára de aumentar. Destacaria sobretudo a revisão das AE e algumas das propostas que deixámos à tutela, a quem já pedimos por três vezes uma audiência no último semestre. Quanto às AE, as alterações propostas incluem ações estratégicas para o 1.º ciclo, complementares às atuais, de que destacaria a consciência da palavra, a consciência silábica, a consciência fonémica, pela importância que têm para a aprendizagem da leitura e da escrita dos nossos jovens estudantes. E destacaria ainda a revisão aprofundada do domínio da oralidade, a definição de orientações para a avaliação dos alunos, em todos os ciclos, com a inclusão de projetos pessoais de leitura autónoma e por prazer, prevendo 30 minutos por dia até ao 9.º ano e 60 minutos de leitura por dia no ensino secundário, a definição de níveis de desempenho para os vários domínios de todos os anos de escolaridade, em Português e PLNM, com a sugestão de a articulação destes domínios com Cidadania e uma proposta de revisão de Educação Literária, com orientações gerais em que se sugere o desenvolvimento da competência interpretativa – procurando responder à pergunta: como fazer da interpretação uma verdadeira atividade e não a receção passiva de uma leitura apresentada como da responsabilidade de uma autoridade? – e fazendo também uma proposta de revisão dos livros de leitura obrigatória, em que está subjacente o princípio de mais obras com mais liberdade de escolha, integrando mais textos de autoras e mais obras de teatro.
Muitas das respostas a estas questões resilientes e difíceis poderão ser dadas durante este encontro – ou, pelo menos, algumas questões pertinentes serão colocadas.
Recordo apenas, como emblema geral desta dificuldade, aquele espaço de pensamento e reflexão que há no Pavilhão do Conhecimento, desde 2020: uma intervenção da artista Carolina Almeida, que criou um módulo na sala da exposição permanente intitulado «Tempo para pensar». E com a extenuante sobrecarga de trabalho que os professores têm, ao ponto de não se poderem dedicar às tarefas didáticas e pedagógicas que são o núcleo central do nosso trabalho de resposta às dificuldades dos alunos, nunca como agora precisámos tanto de tempo para pensar. Talvez esta acabe por ser a mais robusta das respostas que poderíamos dar, esperando encontrar no 16.º ENAPP, pelo menos, tempo para pensar.