30 de novembro de 2013: Parecer da Associação Portuguesa de Linguística sobre o Programa de Português para o Ensino Secundário

Associação Portuguesa de Linguística Faculdade de Letras da Universidade do Porto

PARECER SOBRE O PROGRAMA E METAS CURRICULARES DE PORTUGUÊS, ENSINO SECUNDÁRIO

A APL – Associação Portuguesa de Linguística auscultou os seus associados sobre o documento “Programa e Metas Curriculares de Português. Ensino Secundário”, submetido a discussão pública até 2 de dezembro de 2013.
Dos pareceres recebidos e das conclusões de uma reunião realizada em 30.11.2013 para o discutir, resulta a seguinte recomendação ao Ministério da Educação e Ciência: o documento não deve ser homologado.
Esta recomendação fundamenta-se nos seguintes aspetos:
1. Justificação do documento:
O documento vem substituir o Programa de Português em vigor, mas não decorre de um trabalho rigoroso de avaliação da sua aplicação que tivesse contemplado, entre outros, os resultados de aprendizagens, práticas docentes, conceções e representações ou o confronto com outros documentos orientadores nos países cujos sistemas de ensino secundário comunicam com o português, em particular os da União Europeia.
A APL considera que, mais do que na produção de novos documentos reguladores, o foco da atuação política deve centrar-se na satisfação de necessidades significativas de formação e atualização científica dos docentes.
2. Filosofia e organização do documento:
O documento estrutura-se em duas partes: Programa e Metas. A articulação entre elas não é clara e radica em conceitos curriculares dificilmente conciliáveis. Assim, é muito difícil articular uma orientação centralizadora do programa com a gestão necessariamente flexível associada ao conceito de „metas‟.
Existe, ainda, um evidente desequilíbrio na distribuição dos domínios contemplados, com uma menorização muito preocupante dos domínios da escrita, da oralidade e da gramática, pelo que a gestão proposta no Programa comprometerá seriamente a consecução das Metas estabelecidas.
3. Fundamentação científica do documento:
O conceito de complexidade textual evocado a partir da bibliografia (ACT 2006: Reading Between the Lines: What the ACT Reveals About College Readiness in Reading) não é completamente coerente com as escolhas feitas em matéria de progressão. Deste modo, o Programa coloca os alunos mais novos perante textos “mais complexos”, tendo em conta o desconhecimento de muito do léxico e da gramática que os estruturam e, adicionalmente, de muitos dos valores e contextos culturais e históricos que esses textos convocam, necessariamente mais distantes da sua realidade.
Para além disso, este conceito de métrica não é satisfatório ou pode mesmo ser considerado incoerente com o conceito de género igualmente invocado na bibliografia (Adam e Heidemann 2007), que faz apelo à noção de complexidade decorrente da interação das várias dimensões do texto (situacionais, histórico-culturais, gramaticais, retóricas).
4. Erros científicos no documento:
Algumas das opções tomadas são cientificamente erradas. Se seria impensável que um Programa de Matemática ou de Física contemplasse atividades justificadas apenas pela tradição, ignorando os resultados da investigação científica das últimas décadas, não há razão para aceitar que tal seja legítimo num documento orientador do ensino de Português.
Referimos, de seguida, apenas alguns exemplos:
– a inclusão da flexão verbal no item “Semântica” (p. 31);
– a consideração de atividades como “divisão e classificação de orações” como um conteúdo ao mesmo nível da distinção entre coordenação e subordinação (p. 17);
– a consideração de anáfora e catáfora fora do domínio de coesão textual (p. 31);
– a confusão entre variedades dialetais do português e crioulos de base lexical portuguesa, implícita na formulação da Meta 17.6 (10º Ano) (p. 51).
Aos erros científicos acrescentam-se, a título exemplificativo, as seguintes lacunas:
– a incompatibilidade entre a importância dada nos documentos à compreensão inferencial e a ausência da dimensão metacognitiva em todos os domínios contemplados;
– a limitação dos conteúdos de natureza fonológica (em particular, dos processos fonológicos) ao âmbito da evolução diacrónica;
– a consideração exclusiva de verbos auxiliares de valor temporal, ignorando, p. ex., os semiauxiliares aspetuais e modais e o próprio valor aspetual do auxiliar dos tempos compostos.
Perante as observações críticas apresentadas, a Associação Portuguesa de Linguística
a) considera que, nos domínios contemplados neste parecer, a proposta em análise não tem credibilidade científica, pelo que reitera a recomendação de não homologação destes documentos;
b) disponibiliza-se para colaborar com o Ministério da Educação e Ciência nas seguintes dimensões fundamentais para que esta proposta possa ser corrigida e melhorada:
– avaliação do Programa de Português em vigor – práticas e resultados;
– colaboração na formação dos professores de Português;
– debate alargado sobre as finalidades do ensino da língua materna na sociedade contemporânea;
– participação em equipas de trabalho multidisciplinares com credibilidade científica para a revisão dos documentos orientadores.

Lisboa, 30 de novembro de 2013
A DIREÇÃO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA