Balanço da jornada sobre «Variação linguística, educação e cidadania»

A Associação Portuguesa de Linguística (APL) e a Associação de Professores de Português (APP) promoveram uma reflexão sobre variação linguística e ensino numa iniciativa conjunta – a Jornada “Variação Linguística, Educação e Cidadania”, que decorreu no dia 3 de junho de 2024 em formato híbrido (por Zoom e no anfiteatro III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) e que está certificada como ação de formação de curta duração (ACD).

Esta jornada contou com cerca de 60 participantes em linha e 40 presencialmente e foi bastante participada, nos dois momentos de debate, da parte da manhã e da tarde.

Na abertura, a APP referiu:

 

A  reflexão conjunta de duas associações e de múltiplos professores e especialistas de diferentes áreas e formações sobre a variação linguística e o ensino numa iniciativa conjunta que visa discutir múltiplas implicações, que são simultaneamente científicas, educativas, didáticas, sociais e políticas, e que decorrem do caráter pluricêntrico da língua portuguesa e da necessidade de promovermos o respeito pelas diferentes variedades nacionais,  é um tópico de uma extrema atualidade – este será um extremismo saudável, digamos – e poderá permitir fazer algumas recomendações à tutela, dar algumas sugestões às escolas e até reorientar, pelo menos parcialmente, o trabalho e os objetivos de uma associação de professores como a APP.

Na verdade, e antes de mais, reconhecer as diferentes variedades nacionais implica aceitar que elas existem e têm igual valor, umas mais codificadas do que outras, e que o seu uso é legítimo em qualquer espaço da língua portuguesa, no dia a dia – e.g., a variedade brasileira em Portugal e vice-versa, a portuguesa ou a brasileira nos demais países e vice-versa. Neste contexto, são inaceitáveis as situações de discriminação, na escola, de que são alvo estudantes que falam variedades de português diferentes da falada em Portugal, situações que ocorrem em todos os graus de ensino e enchem páginas de jornais e caixas de comentários nas redes sociais, como escreveu Margarita Correia na Palavras – revista em linha, que a professora da FLUL coordenou como editora convidada.

De facto, reconhecer variedades nacionais implica assumir a variação linguística não como problema a ser dirimido pela escola, mas antes como característica fundamental das línguas, e, em consequência, do português, a ser ensinada pela escola. A sua abordagem exige do professor de Português a compreensão dos conceitos de norma, de variação e também de contacto linguístico e conhecimento das características essenciais das diferentes variedades da língua portuguesa.

Por isso, algumas das respostas que poderemos dar nesta jornada terão a ver, entre muitas outras, com garantir que nenhum dos nossos alunos será prejudicado, antes, bem sucedido quando submetido a avaliação externa, vulgo, provas de aferição e exames nacionais? Ou como compatibilizar o discurso oficial de aceitação do pluricentrismo da língua portuguesa no mundo com uma prática de exclusão do pluricentrismo em Portugal? Ou como ajudar os nossos alunos e os nossos professores?

Uma das questões que a APP colocou ao IAVE, há quase dois anos, no âmbito do seu Conselho Científico, tem a ver com as implicações do pluricentrismo da língua portuguesa na avaliação externa, nomeadamente nos critérios gerais de classificação dos itens de resposta restrita e extensa, relativamente aos aspetos de correção linguística, por isso sugerimos a criação de um grupo de trabalho que pudesse discutir as questões científicas subjacentes a este problema.

Mas muitas outras implicações se colocam no espaço da aula, com professores que muitas vezes provêm de outros sistemas educativos, com diferentes formações científicas iniciais, ou com professores sem formação pedagógica e escasso apoio dado pelas escolas, num contexto em que havia, em 2019/20, 68018 estudantes estrangeiros no sistema educativo Português, no ensino não superior, dos quais 49,1% eram brasileiros, o que corresponde a cerca de 33396 alunos, ou seja, 3,3% do total de estudantes no nosso sistema educativo. Desse subtotal, 15832 estavam no 3.º ciclo ou no ensino secundário, o que corresponde a cerca de 5277 estudantes a fazer exames de 9.º ano (prova final de ciclo) ou de 12.º (exame final nacional). E os números não param de aumentar. E sem as escolas conseguirem satisfatoriamente, em muitos casos, ajudar os alunos a ultrapassarem as dificuldades específicas inerentes, que são linguísticas, mas também sociais e culturais.

Esperamos, por isso, que algumas das respostas para questões complexas num tópico pertinente, atualíssimo e ao mesmo tempo sensível possam ser dadas, ou pelo menos esboçadas, ao longo desta jornada de trabalho e reflexão.

 

A discussão subjacente a estas questões foi exemplarmente rica e partilhada. Algumas dessas respostas, que podem constituir uma recomendação à tutela, serão partilhadas com todos os participantes, quando enviarmos os documentos de apoio às intervenções dos oradores (vídeos e PPT), o que contamos fazer proximamente – e que iremos partilhar na página da APP.

 

 

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