Citação da semana – 10.jan.25

Citação da semana – Milo Rau

«Ser europeu hoje é estar numa posição superdefensiva e ingénua. Porque o projecto europeu contraria as leis da História. Ainda ontem estava a ler uma biografia de Goebbels, o ministro da Propaganda da Alemanha nazi, e a perceber como gozava com a democracia. Que tipo de sistema se deixa derrubar tão facilmente? A regra da democracia é a sua maldição: o sistema tem de ser fraco para que, a cada eleição, tanto possa pender para um lado como para o outro. Na Europa ocidental, ainda sobreviverá, mas no Leste abeira-se do fim. Quanto à UE, daqui a cinco ou dez anos, o projecto da integração dos países do Leste estará morto. Não creio que a UE supere esta prova — não é realista. É claro que a UE e a Europa não são a mesma coisa. Mas se a democracia cair, se a ideia da integração das minorias cair, se a ideia da prosperidade para todos cair, se os valores liberais caírem, o que sobra?»

Milo Rau (2025). Milo Rau: A esquerda deixou de ser inclusiva. O ‘wokismo’ foi sectário e ainda é. Público em linha em 30 de dezembro de 2024.

 

Milo Rau é um encenador suíço. Do Festival de Viena, que dirige há um ano, vê o futuro sombrio em que a União Europeia morreu.

Em Portugal, apresentou, em julho de 2023, no âmbito do Festival de Teatro de Almada, a (brilhante) peça Everywoman, com Ursina Lardi e Helga Bedau (em vídeo), numa recriação de Jedermann, de Hugo von Hofmannsthal. Milo Rau encenou, em novembro desse ano, Antígona na Amazónia, uma peça que recria, de forma também brilhante, em várias línguas (inglês, tucano, neerlandês e português, com legendas em português e inglês), cruzando teatro e vídeo, a tragédia de Sófocles, numa leitura política e atual sobre  a resistência do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra), a degradação da Amazónia e a vida e tragédia dos povos indígenas.

À pergunta sobre

«O que diria aos espectadores saudosos do tempo em que os palcos estavam cheios de poesia e de fantasia e não esmagados pela realidade?», responde:

«Dir-lhes-ia que a beleza tem muitas faces. Pode haver tanta beleza num debate como na poesia. Foi com os clássicos que vivi a maioria dos meus momentos mais bonitos enquanto espectador. A beleza de um bom actor e de um texto clássico é esmagadora; a beleza da ópera, só ópera, sem um conceito, sem paleio político, sem agitprop, é insuperável. Mas também há muita beleza num depoimento em tribunal. Reduzir a beleza à forma é um erro burguês, acho que todos o sabemos. Tal como seria um erro socialista reduzi-la à propaganda.
Num debate com uma encenadora iraniana eu estava a culpar Tchékhov e Shakespeare, a dizer que temos de inventar os nossos próprios textos, activamente. E ela retorquiu que no Irão encenar Tchékhov é um acto político e ao mesmo tempo um acto de beleza. Percebo perfeitamente. Enquanto encenador, o que desejo é que na beleza haja uma acção ou um movimento de resistência contra o estado do mundo. E talvez seja disso que esses espectadores conservadores querem falar quando dizem que temos de resistir ao mundo pela poesia. Concordo com isso. Sou um grande fã de poesia. Dizem que as minhas peças são políticas, mas quando as pessoas vão realmente vê-las — porque a maioria só conhece o cliché do meu trabalho — acham-nas muito poéticas. “Milo, pensávamos que fazias teatro verdadeiramente político, estamos desapontados!”»

 

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