«Nasceu-me uma filha e a vida tomou outro gosto, mesmo se havia que inventar comida para sobreviver os dias. Lavar roupa no rio, descobrir as fontes de água potável, recordar ensinamentos antigos para viver. A memória ajudou. As vozes das mulheres primeiras estavam presentes no dia a dia e na escrita enquanto olhava à volta e aprendia. Escrevi sempre. Publiquei tarde por pensar que versos que tratavam o corpo, os pés fincados na terra, não eram tão importantes como outros que me antecediam e falam da luta. Foi grande a batalha para substituir o eu pelos nós. Inscrever no olho d’água que me espreitava os dias a forma de fintar o destino que tinha, afinal sido, toda a vida.»
Ana Paula Tavares (2025). Especial Prémio Camões 2025. Ana Paula Tavares: “A vida tem sido boa para mim, sou lida por muito mais gente do que mereço”. Expresso em linha, 9 de outubro de 2025.
A poeta e historiadora angolana Ana Paula Tavares é a vencedora do Prémio Camões 2025. Em comunicado emitido em 8 de outubro, o júri da DGLAB sublinhou «a sua fecunda e coerente trajetória de criação estética e, em especial, o seu resgate de dignidade da Poesia». O podcast A Beleza das Pequenas Coisas recuperou a entrevista que a escritora deu a Bernardo Mendonça, em 19 de abril de 2024.
Oiça aqui a conversa.
Entrevista e fonte da imagem aqui.
Poema «Sombras», de Ana Paula Tavares, in Irene Guerra e Carlos Ferreira (Org.) (2021). Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor (p. 500). Guerra & Paz:
Sombras
Tristezas os olhos
que não têm o brilho de contar,
estão riscados de sombras
como se o rasto dos caminhos
o longe da viagem
fosse, neles, deixando pistas.
Tristezas os olhos
de onde me olhas
detrás de um tempo passado,
o tempo das promessas antigas.
Teus olhos, amado,
são os olhos de alguém
que já morreu
e ainda não sabe.