«Na atribuição do prémio o Centro Nacional de Cultura considerou-a uma “educadora visionária”.
No fundo, na minha vida, é a única coisa que me interessa. Eu nunca me interessei por fazer uma carreira — pronto, eu fiz e assumi. E tive épocas em que estava um pouco revoltada por estar a assumir uma carreira…
De superstar?
Não era de superstar, mas de pianista que toca no mundo inteiro, etc. Revoltada porque não gostava do que via.
O que é que via?
A superficialidade, a falta de consciência, a falta de participação, a falta de transmissão às novas gerações, pessoas que tinham desenvolvido a sua arte ao máximo e não [a] queriam transmitir. E não estavam minimamente interessadas no que se estava a passar. As invejas, o quererem lugares que nem sequer eram delas… Deles! Um meio extremamente competitivo, principalmente isso. E pensei que tinha de aceitar ou sair. Tentei sair, mas…
Não conseguiu totalmente…
Eu tenho muita admiração pelos meus colegas, da minha geração ou da geração a seguir à minha. Mas depois houve uma desertificação da tomada de consciência tão grande que hoje vivemos num mundo de competição e mais nada.
Também é falta de memória histórica?
Quando vemos o lado histórico ficamos atónitos. Posso estar errada, mas deu-me a sensação de que estávamos a ver surgir um novo século onde haveria paz, consciência, sentido de comunidade, em que se expôs a vontade de não expandir, de não haver guerra, de preservar o planeta, todos os valores humanos de comunidade parecia que estavam a reaparecer. Aconteceu exactamente o contrário. Estamos a assistir a genocídios de novo. À tomada de posse de territórios e de riquezas de outros países. Estamos a assistir à subida absurda das extremas-direitas. Tudo com a aprovação das pessoas. Será que adormeceram?»
Maria João Pires (2025). Maria João Pires: «Não se toca piano com as mãos». Público em linha, 8 de novembro de 2025.
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