«O que é que a ficção faz por nós? Sei que é uma questão muito ampla.
Para a maioria das pessoas, literatura significa ficção. Pouca gente lê poesia. O romance, mais do que qualquer outra forma, representa a experiência do ponto de vista de certos personagens. Representa o mundo através da consciência de alguém. É a única forma que temos de tentar perceber como outras pessoas pensam. Claro, os romancistas tentam adivinhar. Se escrevo um romance sobre Henry James, não sei o que ele estava de facto a pensar num certo momento, mas posso fazer uma boa estimativa depois de ler os seus romances e as suas cartas, bem como as descrições que outras pessoas faziam dele. Posso imaginar o que pensaria numa determinada situação. Desde o fim do século XVIII, a consciência foi-se tornando central no romance. Os romances continuam a descrever eventos externos, batalhas, duelos, casamentos e por aí fora, mas há uma técnica chamada discurso indireto livre que combina a descrição do narrador com palavras que pertencem à consciência do personagem ou que ele usaria. Temos, portanto, uma dupla perspetiva. Vemos o mundo pelos olhos dele. Acho que é esse o motivo por que as pessoas leem ficção. Para terem a experiência de saírem delas próprias e de verem como é outro mundo.»
David Lodge (2025). David Lodge (1935-2025): «A vida criativa é finita». Expresso em linha em 3 de janeiro de 2025 [entrevista publicada originalmente a 22 de outubro de 2016].
David Lodge, que iria completar 90 anos no final deste mês, destacou-se pela «trilogia universitária», composta pelos romances A Troca: Uma História de Duas Universidades (1975), O Mundo é Pequeno (1984) e Um Almoço Nunca é de Graça (1988), em que satirizava aspetos da vida no mundo académico. Os dois últimos valer-lhe-iam nomeações ao Prémio Booker, que nunca venceu. Diria, em 2018, ao jornal The Times, que o prémio é «bom para o romance, mas mau para o romancista».
Mas «O seu contributo para a cultura literária foi imensa, quer através das suas críticas, quer através dos seus romances magistrais e icónicos que já se tornaram clássicos”, disse Liz Foley, da Harvill Secker, uma chancela da Vintage, citada pela revista The Bookseller.
Nesta entrevista ao jornal Observador, em 2016, Lodge dizia que o lugar do humor na sua obra era muito importante:
«O que é estranho porque, no geral, sou uma pessoa bastante depressiva. Penso que herdei o humor do meu pai, um homem muito esperto e sagaz. Apesar de não ter tido uma educação formal extensa – era músico, abandonou a escola aos 15 anos — tinha um bom vocabulário, lia muito, adorava Dickens. É uma capacidade que se tem, ou não, de perceber o absurdo na vida, não só à nossa volta mas em nós próprios. Temos que estar dispostos a expor o nosso próprio ridículo de forma a criar humor. Mas ou se tem [sentido] de humor ou não tem. É genético, uma característica do cérebro.»
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