Citação da semana – 2.mai.25

Citação da semana – Djaimilia Pereira de Almeida

«Mas essa condição de escritora negra é algo [de] que a Djaimilia se foi apercebendo ao longo dos tempos, ou foram fatores exteriores, [ou] outros, que lhe fizeram perceber isso? 

É uma excelente pergunta. Eu, em princípio, recuso essa própria condição. Se isso for visto como uma espécie de etiqueta, ou como um princípio de catalogação do meu trabalho, eu não aceito. Eu não estou confortável com essa catalogação no sentido em que não estou confortável com a ideia de que haja alguma especificidade que me coloca num gueto qualquer enquanto escritor em relação aos outros escritores.

No entanto, tal como digo no livro, ao escrever e ao longo do processo de escrever um livro atrás do outro, fui compreendendo e, sobretudo ao escrever ficção, que a minha identidade, enquanto mulher negra, é indissociável da minha imaginação. Fui compreendendo que as duas coisas não se distinguem e que eu imagino com tudo o que sou. Imagino com a as minhas emoções, com o meu pensamento particular e esses pensamentos e essas emoções são filtradas pela minha experiência do mundo, pela forma como, entre outras coisas.

A verdade é que existe uma outra dimensão de que também só me fui apercebendo ao escrever e ao publicar livros. Não é exatamente a mesma coisa, ser-se uma mulher escritora, e ainda menos é, ser-se uma mulher negra, escritora e, portanto, o livro fala um bocadinho daquilo de que me foi percebendo ao longo deste caminho, acerca do que significa essas duas coisas.

Depois há ainda outro aspeto. O livro, de facto, tem uma raiz extremamente pessoal, no sentido em que a origem do livro resulta de um período que eu vivi a após a morte do meu pai. Resulta também numa espécie de balanço, ou de confronto muito sério que tive comigo própria e com a natureza da minha escrita, após esse período de luto. Isto para mim, é importante.

A ideia de que, a certo ponto, a pessoa que eu sou, e isso abarca tudo, ou seja, tudo aquilo que faz com que eu seja quem eu sou, mas também os aspetos relativos à minha identidade racial, à minha localização no mundo, ao género a que pertenço, portanto, tudo aquilo que eu sou. A minha escrita, de repente, são realidades todas no mesmo plano que se intercetam e que causam fricção umas em relação às outras.

Então este livro é uma tentativa de tentar fazer algum sentido e de tentar compreender qual é o meu lugar enquanto pessoa que aqui anda a escrever um livro atrás do outro.»

 

Djaimilia Pereira de Almeida (2024). Escritora Djaimilia Pereira de Almeida diz que ser mulher negra é indissociável da sua imaginação. Renascença em linha, 5 de janeiro de 2024.

 

 

Fonte da imagem aqui.