«E a pintura consegue transportá-la para essa outra dimensão? [A sensação de elation, i.e., «de onde é que isto veio?», de que Luísa Costa Gomes falou numa entrevista anterior – no sentido de «empolgamento», de «subir no ar», de «estar noutra dimensão».]
Parece uma coisa um bocadinho maluquinha, mas eu acho que toda a gente que teve essa experiência…, e era muito por isso que eu fazia, e durante muitos anos fiz, oficinas de escrita nas escolas. Porque uma e outra vez eu vi isso nos miúdos. Quando se tem a experiência de criar qualquer coisa, é altamente aditivo, é altamente viciante. Ou seja, a capacidade de se ligar com qualquer coisa que está cá dentro e que se desconheça, e que, quando sai, causa uma surpresa que nem sempre é agradável. Mas qualquer coisa como: «Eu não sou só isto. Há qualquer coisa que eu posso explorar, cá dentro. Que eu posso exprimir de outra maneira.» E vi isso muitas vezes, o que, para mim, era extremamente comovente. Eu sempre lutei pela Educação pela Arte, pela possibilidade de, em vez de ensinarem aos miúdos a portarem-se bem, a estarem quietos e calados, a engolirem informação que podem ver online a qualquer momento e que não tem importância nenhuma, e que muda a cada dia…, a Arte poderia, com vantagem, fazê-los experimentar outras dimensões de si próprios. O que significa torná-los pessoas um pouco mais abertas.»
Luísa Costa Gomes (2025). As coisas eram mais sofridas. Hoje não escrevo a dançar e a cantar, mas libertou-se o prazer. DN em linha em 21 de janeiro de 2025.
Esta conversa com a jornalista Carla Alves Ribeiro veio a propósito da primeira exposição individual de pintura da autora de Visitar Amigos e Outros Contos (Publicações Dom Quixote, 2025), mas arranca com o libreto que deverá escrever para uma ópera de homenagem a Luís de Camões, no âmbito dos 500 anos do poeta.
Sobre si própria, diz, na sua página, que
«Nasci em Lisboa, a 16 de Junho de 1954. Os primeiros anos passei-os entre a casa dos meus avós maternos em Benfica, dos avós paternos em Paço d’Arcos e a Base Aérea da Ota, esse recreio natural maravilhoso onde cresci em bando de miúdos à solta e ao ar livre. O primeiro livro que escrevi, aos dez anos, foi uma colecção de sonetos em memória do meu avô materno, que morreu de repente depois de muito gozar a vida. Aos treze anos, aluna da “Arte de Dizer”, da actriz Manuela Machado, no Instituto de Odivelas, declamava com sentimento “Oh, olhos negros, olhos negros! / Olhos da cor da capa de Hamlet […]” e, ainda sem saber quem seria este Hamlet, escrevi por encomenda da professora a minha primeira peça de teatro, expressivamente intitulada O Louco. Umas quantas vicissitudes fizeram com que a peça, um pastelão ao melhor estilo Álvaro de Campos, pejado de “eias” e “alas!”, extensos monólogos sobre o sentido da vida e as injustiças da sociedade, nunca chegasse a ser representada. Mas, nesse mesmo ano, tive a glória de pisar o palco como personagem muitíssimo secundária de um auto de Natal feito a partir de O Suave Milagre, de Eça de Queirós. Nele, após uma pausa enfática que muito afligiu os meus parentes (imaginaram que me teria esquecido do papel), em duas linhas eu anunciava, encostada a um poço cuja roldana teimava em cair durante os ensaios, a boa-nova da vinda de um Messias aos pastores que, pasmados, esperavam vez para dar água às ovelhas. Aos quinze anos, escrevia novelas utópicas em que tudo começava bem e acabava mal. As personagens tinham nomes americanos e viviam do ar para além dos montes, em comunhão com a Natureza, de mãos dadas e cantando hinos de amor universal. Aos dezoito escrevia nada e aos vinte e três descobri o fenómeno da linguagem e da experimentação literária. Aos vinte e sete anos comecei a publicar. Escrevi contos, romances, peças de teatro, crónicas. Frases atrás de frases, foi surgindo matéria e gente que me surpreende e me entretém. […]»
Luísa Costa Gomes é autora de Utópicos, um podcast sobre filosofia, com a colaboração habitual do físico e filósofo João Pedro Leão, e colabora com a revista Forma de Vida e o blogue Suplemento Cultural, entre (muitas) outras parcerias e colaborações.
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