«Quando era professor de metodologia do ensino de português, tive uma aluna apaixonada por educar, Marta. Essa fez o seu estágio numa escola rural na cidadezinha de Itariri, no Vale do Ribeira, região relativamente pobre do estado de São Paulo. Lá, ela conheceu um menino que disse ter-se atrasado para as aulas porque machucara o pé numa “tauba”. Marta usou todo o seu idealismo e disse que era errado falar “tauba” e que pessoas bonitas falavam “tábua”.
No dia seguinte, o menino apareceu com uma mancha roxa e uma queixa muito profunda contra a professora. Ocorre que quando ele chegara em casa, a mãe pedira para ele ir à padaria e o prevenira que não pisasse “naquela tauba que tava sorta”. O menino respondeu que a mãe era feia porque falava errado e a mãe, fazendo uso da força de seu poder, dera uns bons tabefes naquele insolente. Marta sentiu-se péssima e ficou sem saber o que fazer. Sim, e o que fazer?
A experiência nos mostra que o tema língua portuguesa é mais do que falar em um conjunto de regras. Antes, essa nossa língua é mais um eixo de identidades, cidadanias e pertencimentos. Assim, o ressentimento que o outro pode nos causar por nos soar estranho vem acompanhado por juízos estéticos e pela dor com a língua, o desrespeito àquilo que se considera o bem falar português por parte dos que julgamos ser uma ameaça.»
José Luís Landeira (2025). O que é falar bem português? Público em linha, 19 de outubro de 2025.
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