«O que sobressai nos registos que [Fernando Pessoa] deixou é a natureza dinâmica de todas as suas observações e conclusões. Estas – e ele – eram instáveis, em mutação, sempre susceptíveis de revisão. Por esse motivo, tanto elas como ele nunca puderam ser enclausurados em qualquer escola de pensamento, acção ou arte. Sempre em movimento, o cientista-poeta nem sequer pertencia a si mesmo, recusando-se a ficar preso pelas suas próprias conclusões. Como se pode ler no Livro do Desassossego [Richard Zenith (Ed.) (2013). Assírio & Alvim, trecho 236]: «Pertencer – eis a banalidade. Credo, ideal, mulher ou profissão – tudo isso é a cela e as algemas. Ser é estar livre.» E, contudo, sem mulher, credo ou profissão normal, Pessoa tentou acolher essa banalidade durante o último ano de vida, pertencendo, tanto quanto lhe era possível pertencer, à humanidade comum e corrente. Foi a sua derradeira experiência e o teste supremo de liberdade – liberdade de si próprio –, depois do qual já não podia avançar mais neste mundo.»
Richard Zenith (2022). Pessoa. Uma biografia (pp. 1045-1046). Quetzal.
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