«A música tem questões estruturais que a tornam mais difícil do que outras formas de expressão. Primeiro, porque a formação musical das pessoas é mais pobre do que noutras áreas. As crianças são muito mais estimuladas do ponto de vista visual e da palavra do que do som. Quem é que em Portugal faz o ensino secundário sem lhe ser solicitado que leia Gil Vicente, Camões, Fernando Pessoa, Eça de Queirós? É obrigatório. Mas quem, no nosso ensino, é obrigado a ouvir Carlos Seixas, Lopes-Graça, Joly Braga Santos, Freitas Branco? Em geral, não há a noção da riqueza intelectual que a música pode trazer aos miúdos. Claro que há exceções, mas posso dizer que tirei os meus filhos das aulas de música na escola quando percebi que a professora punha os alunos a tocar Quim Barreiros na flauta de bisel. Se um professor de português desse a ler um texto de autoajuda em vez de Eça de Queirós, seria considerado intolerável.»
Luís Tinoco (2024). Entrevista a Luís Tinoco, vencedor do Prémio Pessoa 2024: «As pessoas perderam a capacidade crítica. Consomem o que lhes dão». Expresso em linha, consultado em 21 de dezembro de 2024.
Nesta entrevista a Christiana Martins e Luciana Leiderfarb, o compositor, professor, divulgador musical e Prémio Pessoa 2024, Luís Tinoco, defende o combate ao défice musical do país e, à pergunta sobre se a música é vista como entretenimento, responde que
«Temos um treino auditivo altamente deficitário. Por isso seria essencial que, tal como existem planos de leitura, houvesse um plano nacional de escuta. Que se levasse as crianças aos ensaios das orquestras, aos concertos de jazz ou que cantassem em coros. O discurso do investimento público resulta inconsequente porque as próprias pessoas que hoje poderiam mudar alguma coisa saíram dessa formação deficitária.»
Sobre a relação entre música e matemática, o autor de Spam responde com a noção de duração, proporção, razão e coração:
«A música tem sempre matemática. A de Bach é matemática pura. Porque a música se desenvolve através de durações e de proporções. Mínima mais mínima é igual a semibreve. Dois mais dois é igual a quatro. É impossível fazer música sem que a matemática esteja presente, porque a música decorre no tempo e o tempo tem de ser proporcionado, fatiado. O coração e a razão — como escreveu Schönberg em O Coração e a Razão na Música — não são elementos díspares, fazem parte do mesmo fenómeno. O que difere é a postura dos compositores em relação à importância que cada um dá ao processo ou ao resultado. Uma vez, um colega disse-me que depois de a peça estar escrita não era relevante se é bem tocada, ou se simplesmente é tocada, porque para ele importava o processo de criação propriamente dito.»
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