«Uma vez deram-me uma tareia na rua, daquelas tareias em que não morri por acaso. Era à noite, eu ia ter com o Luís [Luís de Barros, o marido], que saía d’A Capital. Quando começo a subir do bairro social do Arco do Cego, onde vivíamos, em direcção à estátua do António José de Almeida, para tomar um táxi, vejo um carro que abre a luz e tenta apanhar-me. Não consegue porque por detrás estava um candeeiro. Qual não é o meu espanto quando vejo o carro parar e virem dois homens direitos a mim. Atiraram-me ao chão, bateram com a minha cabeça no chão, e disseram-me: “Isto é para aprenderes a não fazer aquilo que fazes.”
[…]
Esse momento acabou por ser determinante para o livro.
Determinante para tudo na minha vida. É daí que nasce o livro [Novas Cartas Portuguesas, que seria publicado em 1972]. Passados dois dias, estava ainda num estado comatoso e elas [Isabel Barreno e Maria Velho da Costa] viram-me. Expliquei o que fizeram. A Fátima diz: “E se fizéssemos as três um livro sobre isso?” Passado uma semana, a Isabel, com aquele ar de “não me ralo com nada”, abriu a mala e tirou o primeiro texto. Foi o único texto que sempre dissemos de quem era. É muito bonito. Convenceram-me. Era um entusiasmo, divertidíssimo. Todas as semanas nos encontrávamos uma vez, à noite ou ao fim da tarde, e levávamos os nossos textos com cópia e distribuíamos pelas três e começávamos a discutir o que tínhamos feito e trazíamos já os nossos textos sobre os textos umas das outras da semana anterior. Não escrevíamos ao pé umas das outras. Não era combinado o tema; era o que quiséssemos.»
Maria Teresa Horta (2024). Um país fascista é uma coisa muito perigosa. Público em linha em 5 de março de 2024.
Maria Teresa Horta foi incluída numa lista das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras de todo o mundo. Essa lista foi elaborada pela estação pública britânica BBC e inclui artistas, ativistas, advogadas ou cientistas.
Notícia e fonte da imagem aqui.