Ambas as provas são corretas cientificamente e correspondem aos documentos curriculares em vigor. Ambas têm uma extensão adequada à faixa etária, o grau de exigência cognitiva global é também adequado e a linguagem acessível, apesar de nenhum dos textos apresentar glossário.
No caso da prova código 85, que apresenta 19 itens, os alunos ouvem uma reportagem sobre o farol do Cabo de São Vicente e têm de ler e interpretar mais quatro textos: um texto expositivo de Rómulo de Carvalho, sobre o trovão enquanto fenómeno científico, um excerto do texto narrativo A Eneida de Virgílio Adaptada para Jovens por Carlos Ascenso André, o poema «Noite», de Manuel da Fonseca, e uma pintura de Vincent van Gogh, Paisagem Marinha perto de Les Saintes-Maries-de-la-Mer, de 1888, atualmente no Museu van Gogh (Fundação Vincent van Gogh). Todos os textos são de grande qualidade e a prova tem uma variedade aceitável de tipos de item, nomeadamente 18 itens de seleção, dos quais 13 de escolha múltipla, 2 de completamento e 3 de resposta restrita, e um item de construção de resposta extensa.
O grau geral de dificuldade da prova é relativamente alto, mas adequado à faixa etária, uma vez que a prova propõe 15/19 itens com inferências (78,9%), dos quais 7 (36,8%) são de nível cognitivo mais complexo, o que é importante para se avaliar o desempenho dos alunos do ensino básico que se encontram sensivelmente a meio do 3.º ciclo, nomeadamente na literacia de leitura, relativamente a desafios que pressupõem habilidades cognitivas mais exigentes.
O que os maus resultados anteriores das provas de aferição, dos exames nacionais e dos estudos internacionais como o PISA mostram, em particular, sobretudo quando analisamos as variações regionais dos resultados dos alunos – que revelam que as dificuldades persistentes não resultam do desenho curricular mas principalmente do trabalho realizado em sala de aula e da gestão do currículo –, é que há uma resiliência de dificuldades que exigem um corpo docente estável e de grande qualidade e a exposição alta a atividades de leitura e de escrita, que tipicamente deveriam ocorrer na aula de Português, e o recurso a didáticas que privilegiem as competências mais complexas definidas no Perfil dos Alunos – ver aqui uma reflexão sobre este problema num contexto difícil de falta de professores.
Deste ponto de vista, a prova de aferição de Português do 8.º ano, código 85, dá pelo menos dois bons exemplos:
(i) O destaque dado ao parâmetro da pontuação na classificação do item de resposta extensa, cuja avaliação pressupõe a análise de 7 parâmetros: extensão, género / formato textual, tema e pertinência da informação, organização e coesão textuais, morfologia e sintaxe, pontuação e ortografia.
(ii) O texto pedido no item 19, de resposta extensa, é um género textual que é um híbrido entre a (análise da) descrição e o comentário ou a exposição, quando se pede que os alunos, num texto bem estruturado, estabeleçam «uma relação entre o ambiente representado na pintura de Vincent van Gogh e o ambiente representado no texto C [A Eneida de Virgílio Adaptada para Jovens] e no texto D [poema de Manuel da Fonseca]», o que pressupõe que os alunos analisem aspetos particulares da descrição do ambiente na pintura que concorrem para a composição desse ambiente e que estabeleçam «uma relação, de contraste ou semelhança» com o ambiente representado nesses dois textos, o que requer inferências e a relação entre textos diferentes – daí que este seja, sem dúvida, o item de nível cognitivo mais elevado de toda a prova e um excelente desafio para os alunos e para aferir as suas aprendizagens.
Como há dados, no Estudo Diagnóstico do IAVE, que mostram que, na literacia de leitura e da informação, apenas cerca de 29% dos alunos do 3.º ano, 25% do 6.º e 30% do 9.º conseguem resolver itens e tarefas de maior complexidade, que implicam fazer inferências, analisar, comparar, estabelecer relações ou criar, por ex., os dados que a prova de aferição de Português de 2024 e este item em particular mostrarem poderão comprovar, ou não, que as didáticas mais usadas pelos professores não parecem privilegiar as competências mais complexas definidas no Perfil dos Alunos e que a recuperação das aprendizagens, entre 2022 e 2024, se fez sobretudo apenas no nível mais elementar de complexidade cognitiva dos desafios e das experiências de aprendizagem propostos aos alunos.
Fonte da imagem aqui.