Eduardo Lourenço, filósofo e ensaísta exemplar do pensamento português

ELourenco_CarlosManuelMartins_globalImagens© Carlos Manuel Martins/Global Imagens

Eduardo Lourenço morreu hoje, aos 97 anos. Professor, filósofo, escritor, crítico literário, ensaísta, foi um dos pensadores maiores da cultura portuguesa.
Reconhecido no seu tempo, recebeu diversos prémios e condecorações, onde se inclui o Prémio Camões, em 1996.

A biblioteca da Guarda, que reúne uma parte significativa do acervo bibliográfico de Eduardo Lourenço, recebeu o seu nome em 2008, numa homenagem do município onde nasceu, da cidade onde fez os primeiros estudos e à qual se ligou intelectualmente com a criação do Centro de Estudos Ibéricos – parceria entre a Câmara Municipal da Guarda, a Universidade de Coimbra e a Universidade de Salamanca. “Ao arrepio do pensamento corrente, o Centro de Estudos Ibéricos pretendia pensar a cultura peninsular não a partir do interior periférico, mas a partir do coração de uma paisagem que atravessa regiões e países, indiferente a fronteiras políticas.” ( www.eduardolourenco.com/).

Escreveu o seu primeiro ensaio, Heterodoxias, em 1949, quando era jovem assistente no curso de Filosofia da Universidade de Coimbra. Afirmou mais tarde a propósito deste texto fundador  “Escrevendo Heterodoxia, o meu propósito era em certos termos, muito claro, na medida em que queria demarcar uma atitude. Um domínio, um território. Que me pusesse fora dos campos delimitados por qualquer ortodoxia, de qualquer género que fosse. Tinha, pelo menos, esse significado negativo.” (In Expresso, 16/1/1988,  www.eduardolourenco.com/).

O Labirinto da Saudade, Psicanálise Mítica do Destino Português é  o seu livro mais essencial. Nele exercita a  interrogação permanente aos  mitos da cultura portuguesa, num “discurso crítico sobre as imagens que de nós mesmos temos forjado” (1988, Dom Quixote, 3. edição, p.11).

Em entrevista a José Carlos de Vasconcelos depois do visionamento  do filme O Labirinto da Saudade, Eduardo Lourenço comenta:

“As ideias do livro estão ligadas aos meus interesses de ordem filosófica quando mais jovem: o tema essencial é a problemática do tempo, que se pode tratar de muitas maneiras, sendo a saudade uma espécie de vivência da temporalidade que sentimos de forma muito particular. Um tempo não de tipo cartesiano, de instantes que se sucedem e formam uma coisa lógica, mas antes alguma coisa que volta sobre si mesmo. Na saudade nós recuperamos o que em princípio devia ser irrecuperável – e é por isso que nos reconhecemos nessa espécie de sensibilidade que pensamos identitária e nos preocupamos muito com o sentido da vida em geral e o do tempo em particular.” (In Jornal de letras, n. 1242, 9-22/05/2018, p. 8).

Para Eduardo Lourenço,  o melhor romance de Eça de Queirós  não era Os Maias.
“Precisamente, se há entre nós um «europeísmo» natural, entendendo por isso acaso uma mítica desenvoltura em relação aos temas e ideias directoras de uma época, é o de Garrett, não o de Eça. Mas que seja em Eça que se tenha visto e não em Garrett significa que uma série de gerações tomou como ouro de lei a bem elaborada (com que trabalhos) ementa da cultura queirosiana esquecendo que o autor d’O Crime do Padre Amaro, para nós o mais genial dos seus livros, será sempre um pouco o que falará de Courbet sem o ter visto, salvando-se disso, como do resto (e nisso exemplar) por ser capaz de assumir com graça esses e outros entorses à honestidade comum.” (In O Labirinto da Saudade, 1988, Dom Quixote, 3. edição, p.180).

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