Parecer sobre a Prova 639 de Português | 12.º ano de escolaridade | 2025

O parecer da direção da Associação de Professores de Português sobre a prova de Exame Final Nacional de Português – ensino secundário, 12.º ano de escolaridade, código 639, realizada no dia 17 de junho de 2025, inclui uma análise do enunciado da 1.ª fase.

A prova da 1.ª fase do Exame Final Nacional de Português, código 639, realizada no dia 17 de junho, apresenta um total de 15 itens a serem resolvidos pelos examinandos, dos quais 13 são contabilizados para a classificação final. Deste conjunto, 6 itens são de construção (40%) – 5 são de resposta restrita e 1 de resposta extensa – e são obrigatoriamente considerados para a classificação final, sendo os restantes 9 itens de seleção (60%). Os suportes textuais selecionados são um excerto do Canto IV de Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, um poema da Mensagem, de Fernando Pessoa, e um excerto de um discurso de José Tolentino Mendonça – um texto sobre representação e ação individual, a consciência de si e o questionamento do mundo, a partir do exemplo da obra de Camões.

Os textos literários referidos exigem uma competência leitora desenvolta e sofisticada – e a prova segue o mesmo modelo que encontrámos em 2024 e nos anos anteriores, desde 2020, inclusive (sendo ligeiramente diferente da de 2023, mas com o mesmo número de itens de construção e de seleção – a diferença  resulta da distribuição dos itens de seleção  nas Partes A e B do Grupo I).

Em 2024, a passagem camiliana (Grupo I, Parte A) revestia-se de um elevado grau de complexidade, na medida em que evidenciava um léxico complexo, que obrigou à utilização de 11 notas para a sua clarificação (e mais seriam necessárias, para muitos alunos), e era baseada num registo irónico, não imediatamente acessível para quem desconhece a obra de Camilo, utilizando reiteradamente expressões metafóricas que recorrem a termos pouco usuais. Esta complexidade pareceu-nos atenuada por haver uma síntese do texto num parágrafo introdutório de apresentação do excerto, que referia que no texto «se caricatura a sensibilidade e o modo de vida românticos». As questões de interpretação tinham um grau de complexidade elevado, ao exigirem o estabelecimento de inferências – pela relação necessária entre diferentes partes do texto para revelarem a intenção de construção da imagem de alguém doente, no item 1., e para referirem os aspetos que evidenciam a dimensão cómica do retrato do herói, no item 2. –, mas essa complexidade acabava por ser também atenuada:

i. quer pelo referido parágrafo de apresentação do texto («No excerto que vai ler, são visíveis as transformações operadas pelo protagonista com o intuito de se aproximar da imagem de um herói romântico.»);

ii. quer pela formulação do enunciado (“Ao referir a «farsa em que eu a mim próprio me estava dando em espetáculo» o protagonista revela a sua intenção de criar uma imagem de si que não corresponde à realidade. Explicite em que consiste essa imagem.»);

iii. quer por se tratar, no item 2., de uma atividade de recolha de informação explícita – o que torna estas inferências, e esta em particular, pouco exigentes do ponto de vista cognitivo;

iv. quer por o item de seleção da Parte A pressupor uma inferência – a conclusão irónica de que a alteração forjada foi passageira – que já está ‘construída’ nos elementos a preencher pelos alunos na resposta curta.

 

Na prova de 2025, o texto da Parte A, de compreensão da Leitura, incidia em três estrofes do Canto IV de Os Lusíadas, que os alunos não estudaram previamente, apesar de haver um efeito de familiaridade que resulta do estudo prévio da obra de Camões, no 9.º e no 10.º ano. Os três itens da Parte A, dois de construção e um de seleção, pressupunham um grau elevado de complexidade pela relação necessária entre a opinião do narrador e as ideias expressas num texto com um léxico complexo que determinou nove notas de rodapé, ou pela relação entre diferentes partes do texto, ou pela justificação de recursos expressivos como estratégia discursiva, o que exigia, em todos os casos, uma competência de leitura com o estabelecimento de inferências complexas, em particular no item 2.

Em 2024, os itens propostos para a avaliação de desempenho no domínio da Educação Literária em relação ao poema de Campos (Parte B) eram adequados ao preconizado nas Aprendizagens Essenciais e pressupunham três inferências, quer nos dois itens de resposta restrita – relacionando a importância da máscara na construção de uma dualidade entre ser autêntico e parecer, desempenhando a máscara um papel social, no item 4., e associando a máscara a uma vulnerabilidade ocultada, levando à conclusão de que há um autoconhecimento associado à aceitação de convenções sociais, no item 5. –, quer no item 6., de seleção, em que a inferência decorria da interpretação de elementos textuais e das características da linguagem poética de Campos.

De modo análogo, em 2025, os itens propostos para a avaliação de desempenho no domínio da Educação Literária em relação ao poema de Mensagem (Parte B) também eram adequados ao preconizado nas Aprendizagens Essenciais e pressupunham três inferências, de grau elevado de complexidade, quer nos dois itens de resposta restrita – relacionando elementos e partes do texto com a definição do estatuto do sujeito poético pelas ações de Deus, no item 4, ou pela inferência sobre o estado de espírito do sujeito poético e a relação entre esse estado e a vontade divina, no item 5 –, quer no item de seleção, com inferências estabelecidas na interpretação de elementos textuais e na sua relação com características estudadas nessa obra de Fernando Pessoa.

O item 7., da Parte C, em 2024, solicitava ao aluno a comparação entre as ideias expostas nos dois textos anteriores e um exercício de recolha de informação, sem que fosse necessário convocar saberes adquiridos sobre aspetos literários, tornando-se o item mais complexo pelas inferências necessárias para reconhecer os aspetos  que aproximavam e que distinguiam os dois textos – mas parte desses elementos já tinham sido, de certa forma, recolhidos nos itens anteriores, da Parte A e da Parte B, o que também atenuava a complexidade cognitiva óbvia da Parte C.

O item 7., da Parte C, em 2025, também solicitava a comparação entre as ideias expostas nos dois textos anteriores – sobre as diferenças significativas no modo como a figura de D. Fernando era apresentada, no excerto de Os Lusíadas e no poema de Mensagem – e solicitava um exercício de comparação de textos e de recolha de informação, sendo necessário convocar saberes adquiridos sobre características épicas e líricas e o reconhecimento dos seus traços distintivos nos textos apresentados. Deste ponto de vista, o item 7, que era obrigatório, revelava-se o mais exigente em termos de competências complexas de leitura mais sofisticadas.

 

O Grupo II (Leitura e Gramática) obedece ao modelo de Exame Final dos últimos anos e enquadra-se nas expectativas dos alunos: é composto por 7 itens de seleção e tem uma cotação excessiva – 13 pontos para cada uma das questões que podem, eventualmente, ser respondidas pela seleção aleatória de uma letra. No caso do Grupo II, apenas 4 itens são obrigatórios (perfazendo 52 pontos), mas no total da prova é possível obter 91 pontos só em escolhas múltiplas. Mais relevante ainda, no Grupo II, é o facto de só o item 3, que era obrigatório, implicar alguma complexidade mais elevada, por pressupor uma inferência pela interpretação de um elemento textual num contexto específico – enquanto, em 2024, havia dois itens, um dos quais obrigatório, de maior dificuldade, por implicarem uma complexidade mais elevada, ao pressuporem inferências sobre estratégias argumentativas e pela interpretação de elementos textuais sobre juízos estéticos e juízos de valor.

A prova termina com um item de resposta extensa (Grupo III, 44 pontos, dos quais 30 para aspetos de estruturação temática e discursiva e 14 para aspetos de correção linguística) em que é solicitado um texto de opinião sobre a relação indivíduo / sociedade (em 2024, o texto de opinião era sobre a temática das redes sociais). A escrita de um texto de opinião retoma os conteúdos avaliados em provas anteriores, o que torna mais acessível este item, mas solicita uma reflexão pessoal sobre um tema complexo, com a defesa de «um ponto de vista pessoal sobre o conteúdo da afirmação», o que se afasta do risco de repetição de banalidades sobre os perigos das redes sociais para a construção de imagens pessoais falsas, como acontecia em 2024.

 

Considerando que, globalmente, e à imagem dos últimos cinco anos, a prova tem 15 itens, dos quais 10 são obrigatórios (66,6%) e 13 contam para a classificação final, sendo 6 (40%) de construção (5 de resposta restrita e 1 de resposta extensa) e 9 itens de seleção (60%), dos quais 8 de escolha múltipla, o que perfaz um total de 117 pontos, que podem ser resolvidos de forma eventualmente aleatória, dos quais 91 contam para a classificação final, e que 9/15 itens (60%) pressupõem alguma inferência [10/15 itens (66,6%), em 2024], dos quais 4/9 (44,4%) de mais elevada complexidade [6/10 (60%), em 2024], e que o género textual do item de resposta extensa surge nestas provas pelo menos desde 2007 – com algumas raras exceções, como o texto de apreciação crítica em 2020 –, temos de concluir que este Exame Final Nacional de Português, código 639, apesar de avaliar conhecimentos, capacidades e competências previstos nos documentos curriculares de referência, nomeadamente nas AE, ter uma extensão adequada e uma exigência apenas medianamente elevada, e ser uma prova adequada para o nível etário e cognitivo dos alunos, valoriza em excesso os itens de seleção e apresenta um modelo que, apesar do rigor científico, não tem níveis elevados de complexidade cognitiva, a que acresce a insistência num texto de opinião sobre um tema que exige uma reflexão pessoal dos alunos, ainda que histórica e tipicamente o tema pedido tenha sido quase sempre demasiado próximo da vivência dos alunos.

 

No contexto em que os exames ainda são vistos como meio privilegiado de seleção de candidatos ao ensino superior, o desempenho em tarefas de leitura e escrita em Português, em níveis cognitivos elevados, constitui uma conditio sine qua non de prosseguimento de estudos nos vários ciclos do ensino superior, o que não pode deixar de ser objeto de avaliação, dado o caráter transversal do conhecimento linguístico, explícito e implícito, exigido a todos os estudantes, e não apenas aos que se dedicam às humanidades. E daí que o Exame Final Nacional de Português seja obrigatório para todos os alunos.

 

Por outro lado, vários estudos mostram que a forma como o ensino é realizado é tão relevante como outros fatores (dimensão da turma, estabilidade da colocação dos professores, pobreza), o que pode introduzir enviesamentos criados por variações regionais, e não apenas sociais e económicas, ligados a fatores críticos da qualidade das escolas e a recursos disponibilizados, que condicionam o trabalho científico, pedagógico e didático realizado pelos professores.

 

Deste ponto de vista, o exame de Português, feito por todos os alunos, em papel, e integrando a sua nota interna, será o melhor indicador de que estamos a corrigir os fatores críticos da melhoria da educação – precisamente por ser uma disciplina essencial na formação de todos os estudantes e transversal a todas as aprendizagens – com avaliação do cumprimento das metas de aprendizagem definidas nas Aprendizagens Essenciais e no Perfil dos Alunos, tendo em conta uma autonomia de facto na gestão curricular e na lecionação dos documentos curriculares de referência para o Português.

 

Sugerimos, no entanto, no cenário em que os exames de Português sejam em formato digital, o que não parece recomendável, que o Exame Final Nacional possibilite a criação de provas não estandardizadas que permitam adaptar a dificuldade das questões às respostas dos alunos e, deste modo, avaliar e aferir, de forma universal, completa e rigorosa, a verificação das aprendizagens de cada escola, em geral, e de cada aluno, em particular, e que haja um maior equilíbrio entre os itens de seleção e os de construção, mas mantendo sempre, naturalmente, o rigor científico e uma extensão e exigência adequadas para o nível etário em provas calibradas com níveis elevados de complexidade cognitiva.

 

O ponto decisivo é mesmo este: permitir que o papel especial, transversal e interdisciplinar que as provas de Português podem ter seja vantajosamente utilizado para a melhoria dos fatores críticos da qualidade das escolas, para a verificação das aprendizagens que cada uma (como escola aprendente) e cada aluno, em particular, realizam, integrando o máximo possível de competências previstas no Perfil dos Alunos – mas dando às escolas do ensino superior a responsabilidade ética e profissional de escolherem e selecionarem os seus alunos.

 

 

Ficheiros disponíveis no IAVE: prova, critérios de classificação.

 

 

Lisboa, 28 de junho de 2025

A Direção da Associação de Professores de Português

 

 

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