Parecer sobre a Prova 91 de Português | 9.º ano de escolaridade | 2024

O parecer da direção da Associação de Professores de Português sobre a Prova Final de Português – 3.º ciclo de ensino básico, 9.º ano de escolaridade, código 91, realizada no dia 17 de junho de 2024, inclui uma análise do enunciado da 1.ª fase.

A Prova Final de Ciclo de Português (código 91), realizada no dia 17 de junho, apresenta quatro textos: texto A (texto dos média), texto B (texto expositivo), texto C (texto literário dramático) e texto D (texto épico / reflexões do Poeta).

O texto A (domínio da oralidade, áudio de uma reportagem com cerca de 2’, repetido duas vezes) apresenta um questionário de quatro perguntas com itens de seleção (escolha múltipla). O texto de suporte da compreensão da oralidade é um documento áudio autêntico que apresenta um ritmo adequado à faixa etária dos alunos e uma linguagem acessível, que permite que os alunos compreendam o sentido essencial e possam responder aos itens da prova, o que é favorecido pelo tema abordado, a relevância cultural da Biblioteca Joanina (e que, de algum modo, retoma o tema do áudio de 2023, as bibliotecas públicas e digitais na Europa e o aumento de oferta de livros eletrónicos). As questões de escolha múltipla não são todas obrigatórias (apenas 3/4) e incluem um item de gramática, que reforça o conhecimento da língua como suporte para a compreensão do texto (neste caso, a anáfora como recurso expressivo), duas questões com informação explícita no texto e uma questão que implica uma inferência – ou seja, três dos itens serão provavelmente mais acessíveis para os alunos do que o item com um certo grau de complexidade, que pressupõe fazer uma inferência para identificar o interesse jornalístico que levou à realização desta reportagem.

O texto B (domínio da leitura, com gramática como suporte para a compreensão de um texto expositivo, com 5 notas de rodapé relativamente ao vocabulário) apresenta quatro questões com itens de seleção (todas de escolha múltipla e a contar obrigatoriamente para a nota final) e alude ao tema do processo criativo de uma obra como Os Lusíadas, quer ao nível do plano traçado inicialmente por Camões para o seu poema, quer ao nível da feitura de um livro no século XVI. Há, assim, em quatro itens de seleção, num tema ligado ao trabalho dos alunos – a experiência de leitura e estudo da epopeia de Camões –, uma certa complexidade, que, sendo adequada aos conhecimentos, capacidades e competências previstos nos documentos curriculares, exige a mobilização de aprendizagens significativas, por se prever sempre inferências para os alunos explicitarem o sentido global ou específico de passagens do texto. No caso dos dois itens de escolha múltipla, sobre tópicos de gramática:

i. o item 6. obriga a relacionar a coesão textual com o conector que introduz uma conclusão face ao que é dito no parágrafo anterior;

ii. o item 7. obriga a resolver uma tarefa de maior complexidade, por exigir conhecimento dos tempos verbais do modo conjuntivo e, além disso, uma inferência por ausência da designação “composto” na classificação da forma verbal «tenha começado». Neste caso, na economia terminológica do enunciado da alínea B está implícita a justificação de um raciocínio, e, por isso, este item é uma forma subtil de

(i) testar habilidades cognitivas superiores e

(ii) distinguir entre os alunos que «conseguiram (identificar)» (a conjugação verbal do conjuntivo), distinguindo o pretérito perfeito do pretérito imperfeito, e os que «não conseguiram (responder de acordo com o esperado)», se identificarem como correta a alínea D, que é a única com a designação «composto», ou a alínea A (futuro simples do conjuntivo).

 

O texto C (domínio de leitura, de novo com gramática como suporte para a compreensão de um texto dramático) apresenta um excerto da peça Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente, de Natália Correia, autora que não integra as Aprendizagens Essenciais do 9.º ano, que, no entanto, preveem que os alunos adquiram «progressiva autonomia no hábito de leitura de obras literárias e de apreciação estética» (AE, 9.º ano, p. 3). O excerto exige 19 notas de rodapé – mais 6 do que o excerto de Torga, em 2023 –, o que mostra que se trata de um texto com vocabulário menos acessível, e apresenta onze questões (nove de escolha múltipla e duas de resposta restrita, como em 2023). De notar que, em 2022, o texto C, que também tinha sido de Torga, tinha 9 notas de rodapé e seis itens de escolha múltipla, um de correspondência e três de resposta restrita, o que parece indicar que a prova de 2024 é, como a de 2023, mais acessível, apesar da maior dificuldade lexical do texto. De referir, no entanto, que o tipo de item não dá necessariamente origem a menor grau de complexidade ou de dificuldade, daí que ‘considerar que os itens de seleção são mais acessíveis do que os de construção’ seja uma dedução que pode ser problemática – como alguns resultados dos alunos em 2023 mostram[1].

No entanto, das nove questões de escolha múltipla, seis dizem respeito ao domínio da gramática (mais uma do que em 2023), incluindo um item sobre valor modal que, apesar de só contar para a nota final se fizer parte das duas respostas com melhor pontuação, exige a mobilização de uma relação com um certo grau de complexidade entre a situação de comunicação, o reconhecimento da presença da modalidade deôntica e a subjetividade do locutor / personagem, que pretende, neste caso concreto, exprimir uma imposição ou obrigação a outras personagens. Das outras 5 questões de escolha múltipla sobre gramática, só uma parece ser um pouco mais acessível, por identificar uma função sintática – as outras 4 questões exigem o estabelecimento de inferências (sobre a caracterização de um contexto, entre classes de palavras e indicações e informações cénicas, entre elementos do texto e a caracterização de uma personagem, entre recursos estilísticos e a sua expressividade, ou sobre o valor (semântico) de um sujeito nulo, na sua relação com uma oração subordinada substantiva completiva), o que significa que se estão a privilegiar competências mais complexas.

Quanto aos itens de resposta restrita sobre o texto C, que contam obrigatoriamente para a classificação final, ambos são de complexidade elevada, ainda que no quadro previsto nos documentos curriculares, que pressupõem, por exemplo, que os alunos adquiram estratégias de leitura persistente, fluente e eficaz, tendo em conta a complexidade e a dimensão que os textos poderão ter neste nível, ou que os alunos ‘relacionem os elementos constitutivos do género literário com a construção do sentido da obra em estudo’ (das Aprendizagens Essenciais [AE]). De facto, o item 18. implica o estabelecimento de relações entre diferentes elementos textuais – a identificação do efeito do amor no rosto da amada e a reação das outras personagens – e o item 19. implica relacionar dois excertos de texto com a interpretação da razão da entrada em cena de uma personagem.

O texto D (domínio de educação literária) apresenta uma questão de resposta restrita sobre a estância 154, do Canto X de Os Lusíadas, de Luís de Camões, e que é de leitura obrigatória de acordo com as AE do 9.º ano.

Em 2023, o item de resposta restrita de educação literária contava também obrigatoriamente para a classificação final e pressupunha que os alunos escreviam uma pequena exposição sobre vários tópicos, mas tendo necessariamente de identificar a personagem que ‘narra uma parte importante da sua história pessoal’. O facto de ser um texto bastante conhecido dos alunos, a referência a Tétis e a dimensão lírica do episódio tornavam este item mais acessível. No entanto, a estruturação discursiva da resposta, organizando adequadamente os vários tópicos, os conhecimentos de educação literária invocados, os conhecimentos de metalinguagem sobre categorias da narrativa, e a inferência final (sobre a paixão e a desilusão amorosa), em particular, tornaram este item mais complexo – e daí o resultado final médio de 2,6/8 pontos, com apenas 5,2% dos alunos a conseguirem a classificação total.

Em 2024, a reflexão do Poeta torna o item 20. menos acessível, apesar da presença da figura do rei D. Sebastião no quadro de Cristóvão de Morais, junto à estância de Os Lusíadas, e exige que os alunos, na sua resposta restrita, relacionem a figura retratada nesse quadro com o texto de Camões e que interpretem o sentido do verso final da estância, o que implica uma resposta de nível de complexidade mais elevado – sobretudo se, como em 2023, tivermos ainda em conta a estruturação discursiva da resposta, organizando adequadamente os vários tópicos, os conhecimentos de educação literária invocados e a inferência que associa a humildade com que o poeta se apresenta ao Rei com a «boca dos pequenos» (v. 3) e com o louvor que deles sai «mais acabado» (v. 4), e com as «Cousas que juntas se acham raramente» na obra «que aqui vereis presente» (v.7). Basta recordar como, em 2023, a estruturação discursiva das três respostas restritas teve quase sempre uma média negativa (0,7/2, 1,2/2 e 0,7/2, respetivamente).

A prova termina com um item de resposta extensa (21.) com um tema de novo de caráter transversal (o lugar dos recursos tecnológicos na nossa vida). O tema apresentado é pertinente, atual e reforça a importância da articulação do desenvolvimento de competências cognitivas, sociais e emocionais, apelando a conteúdos específicos e às vivências e experiências de cada aluno na construção da sua própria vida e identidade – e ao papel da tecnologia num lugar mais central ou mais ‘excêntrico’. A escrita de um texto de opinião retoma os conteúdos avaliados em provas anteriores, o que torna este item mais acessível – ao ponto de, em 2023, a média nacional ter sido de 13,8/20, com todos os parâmetros com média positiva, incluindo a ortografia (com 3.2/4 e não 0,2/4, como dissemos, por lapso, na versão anterior deste parecer).

Sinteticamente, podemos dizer que a prova 91 de Português, em 2024, é bem construída e avalia conhecimentos, capacidades e competências previstos nos documentos curriculares de referência, nomeadamente nas AE, tendo uma extensão adequada e exigência globalmente elevada, mas também adequada para o nível etário e cognitivo dos alunos.

A sua estrutura integra quatro textos, o primeiro dos quais avalia a compreensão da oralidade, o que é de saudar e realçar. Os outros três textos avaliam a compreensão da leitura a partir de um texto expositivo e de dois textos literários, um dos quais previsto nas AE (domínio da educação literária), cruzando o domínio da leitura com o da gramática, o que também é de saudar, uma vez que este domínio, que tem 9 itens num total de 21 da prova, reforça o papel do conhecimento da língua como suporte para a compreensão e o sentido dos textos propostos.

A prova tem, assim, um total de 21 itens de avaliação, dos quais um é de resposta extensa, 3 são de resposta restrita e 17 são itens de seleção:

(i) Globalmente, portanto, a prova tem 17/21 itens de seleção (80,9%), que correspondem a 68/100 pontos. Todos os itens de seleção têm a mesma pontuação (4 pontos), sendo todos de escolha múltipla. Tendo em conta a presença de quase 81% de itens de seleção, com um peso de 68/100 pontos, podemos sugerir que, nos próximos anos, haja um maior equilíbrio entre os itens de seleção e os de construção, nas provas finais de ciclo, mas mantendo sempre, naturalmente, o rigor científico e uma extensão e exigência adequadas para o nível etário em provas calibradas com níveis elevados (e exemplares) de complexidade cognitiva.

(ii) Dois itens de construção (18. e 19.) valem 6 pontos, por incluírem aspetos de conteúdo e de correção linguística, o que nos parece correto.

(iii) Um item de construção (20.), também de resposta restrita, vale 8 pontos, porque há uma maior valorização dos aspetos de conteúdo (6 e não 4 pontos, como acontece com os itens 18. e 19.), o que se pode justificar por se tratar de uma questão de educação literária, mas que reforça uma dupla penalização, por haver mais pontos para um item mais difícil (como dissemos, em 2023, a média foi de 2,6/8, com apenas 5,2% dos alunos com a classificação máxima – mas também com a total penalização na classificação se os alunos não integrassem corretamente o primeiro tópico de resposta [identificação da personagem que narra uma parte importante da sua história pessoal – o Adamastor] , o que não acontece em 2024).

(iv) Um item de construção, de resposta extensa (21.), vale 20 pontos, tendo em conta 5 parâmetros, cada um dos quais com uma pontuação máxima de 4 pontos – sendo todos os descritores de desempenho adequados, claros e corretos.

(v) Pela realização de inferências, ou pelo estabelecimento de relações com um certo grau de complexidade entre diferentes elementos textuais, a prova tem um conjunto de 15/21 itens (71,4%) com algum grau de complexidade ou que envolvem níveis cognitivos elevados, apesar de serem adequados à faixa etária a que se destinam – o que eleva o grau de dificuldade da prova deste ano, tanto mais que 9 desses 21 itens (42,8%) têm, tal como em 2023, um grau mais elevado de complexidade cognitiva.

(vi) A dificuldade global da prova é adequada, ainda que relativamente elevada num grande conjunto de itens.

(vii) O facto de a prova não ter sido realizada em formato eletrónico permitiu que os alunos utilizassem competências específicas da disciplina de Português, com implicações positivas em ações estratégicas decisivas, como é o caso das técnicas de leitura de textos associadas a técnicas de escrita (sublinhados, esquemas, notas na margem…). De facto, as ferramentas disponíveis no formato eletrónico continuam a não permitir sublinhar nem fazer esquemas para que os alunos possam destacar a informação que considerem pertinente (nos textos ou no enunciado dos itens da prova) e assim responderem melhor às questões apresentadas. Por outro lado, a planificação da produção escrita no item de construção de resposta extensa (21.) realiza-se mais facilmente com papel e caneta – não se correndo, assim, o risco de incentivarmos a escrita de textos ‘não planificados’ e tendencialmente mais curtos, como poderia acontecer na escrita em computador. Este desafio tecnológico é muito importante para um maior sucesso na realização de provas como a de Português, em 2025, se for retomado o modelo das provas em formato eletrónico.

 

Ficheiros disponíveis no IAVE: prova, áudio, critérios de classificação.

 

Lisboa, 20 de junho de 2024

A Direção da Associação de Professores de Português

 

 

Fonte da imagem aqui.

 

[1] De acordo com os dados do IAVE sobre as provas de 2023, e considerando os 6 itens de seleção que eram, na nossa opinião, de complexidade superior, em 2023 [A1.2, A1.4, B2., B3.1, B3.3, C5.1], os alunos não conseguiram ter resultados médios positivos em 2 deles [A1.4, com média de 1,2/4, e B2, com média de 1,6/4], tendo obtido uma positiva baixa num terceiro item [C5.1, com média de 2,3/4] e positiva mais robusta nos restantes itens [3,8/4 no item A1.2, 3,7/4 no B3.1 e 3,3/4 no B3.3].

Por outro lado, nos 3 itens de resposta restrita [C4., C11., D13.], os alunos só conseguiram um escasso resultado médio positivo num deles [C11., com média de 3,2/6 e apenas 10,1% dos alunos a atingirem a classificação máxima], tendo obtido 1,7/6 e 2,6/8 nos dois outros, sempre com uma média muito negativa no parâmetro da correção linguística.

Em todo o caso, trata-se de uma distribuição previsível de resultados mais positivos com itens de seleção, apesar da sua maior complexidade, do que com itens de construção, também com elevado grau de complexidade cognitiva. Mas é importante ressalvar a preocupação de o IAVE introduzir nas provas finais um número elevado de itens que implicam tarefas de maior complexidade cognitiva, como fazer inferências, analisar, comparar ou estabelecer relações, e que se aproximam das competências mais complexas definidas no Perfil dos Alunos.