Plano Estratégico para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira

Em resposta a um pedido feito pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), a direção da APP realizou uma reflexão que apresenta um conjunto de preocupações e recomendações para a definição de um Plano Estratégico para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira.

A AIMA apresenta aqui o primeiro Plano Estratégico para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira, para o horizonte temporal 2024-2027.

O documento tem cinco eixos estratégicos, 39 medidas e 68 atividades, 56 das quais a executar com o envolvimento da AIMA, e integra dois planos operacionais de dois anos. O Plano assenta numa lógica de trabalho colaborativo, juntando propostas do Grupo de Trabalho, criado por iniciativa da AIMA, contributos de cerca de 80 entidades públicas e privadas, assim como da consulta pública realizada entre 16 de fevereiro e 11 de março de 2024, que contabilizou quase 600 participações.

 

O contributo da APP, no âmbito desse Grupo de Trabalho, foi o seguinte:

  • A Associação de Professores de Português (APP) não trabalha diretamente com alunos, mas faz um trabalho indireto ao apoiar professores de Português nos vários ciclos da escolaridade, quer em língua materna, quer não materna. Esse trabalho decorre tipicamente em contextos de formação de professores (e também de encarregados de educação), em encontros, jornadas e outros eventos, na produção de publicações, na produção de investigação (em particular, mas não exclusivamente, no âmbito de um Núcleo de Investigação em Didática), na produção de recursos pedagógicos e didáticos, na produção de estudos, artigos e textos de reflexão e múltiplas parcerias (nomeadamente, mas não exclusivamente, com instituições do ensino superior). Por outro lado, procuramos intervir junto da tutela na definição de uma agenda de trabalho relativamente a questões relativas à aprendizagem e à avaliação da língua portuguesa, como é o caso do pluricentrismo (que foi objeto de estudo neste número da revista Palavras e de trabalho em progresso no âmbito da avaliação externa).

 

  • Como reflexo do nosso trabalho, destacamos algumas preocupações, relativamente ao ‘ensino do português para cidadãos estrangeiros em território nacional’, condição que parece indispensável e necessária, mas não suficiente, para o acolhimento e integração dos alunos de origem estrangeira:
    1. Muitos alunos estrangeiros (cerca de 1/4 a 1/3), cujo número tem crescido nos últimos anos no sistema educativo português, não são falantes nativos da língua de escolarização e mais de metade chegaram com mais de 12 anos, ou após conclusão do ensino básico noutro sistema de ensino, e mais de 1/4 provém de contextos socioeconómicos desfavorecidos.[1]
    2. As escolas revelam tipicamente dificuldade em lidar com os problemas de aprendizagem dos alunos que ficam retidos nalgum ano letivo (o que se revela paradigmaticamente nos resultados do estudo internacional PISA ao longo dos anos), dos alunos que têm medidas multinível seletivas ou adicionais ou que não falam a língua de escolarização.
    3. A estas dificuldades, acresce o facto de muitos professores de PLNM não terem formação em didática específica dessa disciplina, de haver escassez de recursos e materiais, de muitas vezes o trabalho realizado não ter em conta o perfil sociolinguístico e escolar dos alunos imigrantes e de as escolas não terem autonomia suficiente para lidarem com esta situação complexa, que exigiria, em muitos casos, que os alunos recém-chegados tivessem uma imersão prolongada (de pelo menos um semestre) em língua portuguesa.
    4. Por outro lado, as necessidades de bem-estar social, emocional e mental dos alunos, em ambientes tranquilos, seguros e acolhedores, exigiriam que as escolas pudessem integrar no currículo desses alunos a língua de escolarização, a sua língua materna e a educação intercultural, criando aquilo que Maria do Céu Roldão[2] chama o ‘lugar único da escola’, ao “incorporar curricularmente as culturas em presença”.

 

  • Algumas recomendações que decorrem do que dissemos anteriormente (e que retomam algumas das recomendações do CNE sobre este tópico – cf. Recomendação 3/CNE 2022):
    1. Garantir formação inicial e contínua adequada e especializada dos docentes de PLNM.
    2. Garantir que todos os alunos estrangeiros têm aulas de PLNM, mesmo no caso dos agrupamentos ou escolas não agrupadas que têm um número de alunos inferior a 10, o que atualmente inviabiliza a abertura de uma turma de Português Língua Não Materna.
    3. Monitorizar e apoiar programas de aprendizagem de PLNM que tenham em conta um adequado perfil sociolinguístico e escolar dos alunos imigrantes.
    4. Criar uma plataforma de PLNM que disponibilize recursos e materiais, divulgue boas práticas e permita um trabalho em progresso de colaboração entre professores, investigadores e especialistas.
    5. Monitorizar e divulgar práticas bem-sucedidas que possam ser replicadas de educação inclusiva e de acolhimento dos alunos imigrantes, quer a nível local, quer escolar.
    6. Disponibilizar, com o apoio da tutela educativa, informação traduzida nas línguas dos alunos sobre o sistema educativo, o seu funcionamento, os procedimentos administrativos – sob a forma de guias de acolhimento.
    7. Desenvolver parcerias entre autarquias e escolas para rentabilizar recursos necessários, que frequentemente as escolas não têm e de que necessitam, como mediadores interculturais e tradutores, que possam fazer a necessária mediação entre as escolas, a comunidade e as famílias.
    8. Apoiar medidas que contribuam para sensibilizar as comunidades educativas para a variação linguística como propriedade essencial das línguas, de modo a combater preconceitos e incentivar a tolerância linguística.
    9. Permitir que os alunos possam aceder, na biblioteca das escolas, a livros e recursos, digitais ou não, nas suas línguas maternas, de modo a permitir o desenvolvimento da sua literacia nessas línguas, o que pode incluir a tradução ou legendagem de recursos já existentes.
    10. Criar nas escolas contextos favoráveis ao envolvimento dos pais e encarregados de educação dos alunos estrangeiros na sua educação, com guias de acolhimento nas suas línguas maternas e a participação em cursos de língua portuguesa.

 

Lisboa, 9 de janeiro de 2024

A Direção da Associação de Professores de Português

 

 

Fonte da imagem aqui.

 

[1] De acordo com dados do PISA 2018, em Portugal, 33,2 % das alunos imigrantes de primeira geração e 23,5 % dos de segunda geração não são falantes nativos da língua de escolarização (p. 6 da recomendação 3/2022, do Conselho Nacional de Educação). No caso do PISA 2022, “A percentagem de alunos imigrantes aumentou em Portugal para 11% em 2022 (7% em 2012). Em 2022, 7% dos alunos de 15 anos eram imigrantes de primeira geração, ou seja, nasceram noutro país/economia e as suas famílias mudaram-se para Portugal apenas nos últimos anos. Entre estes alunos imigrantes de primeira geração, 17% chegaram a Portugal com 5 anos ou menos; 56% chegaram depois dos 12 anos, e após terem concluído o ensino básico noutro sistema de ensino.  Os alunos imigrantes e não imigrantes em Portugal tendem a ter um perfil socioeconómico semelhante; enquanto 25% de todos os alunos são considerados socioeconomicamente desfavorecidos, a percentagem correspondente entre os alunos de origem imigrante é de 27%. Cerca de 27% dos alunos imigrantes (e 2% dos restantes alunos) referiram que a língua que falam em casa na maior parte do tempo é diferente da língua em que realizaram o teste PISA.”

[2] Roldão, Maria do Céu (1999). Gestão Curricular – Fundamentos e Práticas (pp. 20-22). Ministério da Educação / DEB.