Resposta ao artigo “Programa de Português é para cumprir”, jornal ‘Público’, 6 de julho de 2015

A 6 de julho de 2015, foi divulgado no jornal Público um artigo intitulado “Programa de Português é para cumprir”, presente nesta ligação. Tendo a APP enviado, por três tentativas, resposta ao artigo, não viu publicada tal resposta. Pelo exposto, divulgamos na nossa página o texto enviado a este jornal...

A 6 de julho de 2015, foi divulgado no jornal Público um artigo intitulado “Programa de Português é para cumprir”, presente nesta  ligação.
Tendo a APP enviado, por três tentativas, resposta ao artigo, não  viu publicada tal resposta.
Pelo exposto, divulgamos na nossa página o texto enviado a este jornal:

 

Consequências

No artigo «Programa de Português é “para cumprir”, diz MEC»,  (jornal Público de 6 de julho de 2015) , a “cidadã” Helena Buescu, coordenadora dos novos programas de Português dos ensinos básico e secundário, “alertou” para as consequências de um comentário da professora Filomena Viegas, da direção da Associação de Professores de Português, dizendo que “apelar à desobediência civil é um acto com consequências jurídicas”. Esta declaração é uma resposta à afirmação de que os professores devem ter “o bom senso” de não seguir as diretrizes do novo “Programa de Português” do ensino básico “de forma acrítica”.
Quer Helena Buescu, quer o Ministério da Educação e Ciência, numa voz unânime, procuraram recolocar a gravitas da pátria no seu devido lugar. Já dizia Vasco Graça Moura que “a unanimidade é a mais banal e empobrecedora das situações.” Neste caso, é mais do que empobrecedor e banal, é um sinal inquietante de uma ameaça e de uma incapacidade de ler adequadamente um texto “complexo”, como aqueles que os programas de Português defendem e que os alunos deverão ler, pretensamente com recurso a um “trabalho mais lento” (p. 6 do Programa do ensino secundário).
De facto, o que a professora Filomena Viegas defendeu, apesar do parecer negativo da APP ao novo “Programa de Português” do ensino básico, não foi que os professores não cumprissem o programa ou as suas diretrizes mas que o cumprissem de forma crítica. Não compreendemos como pode um programa, ou qualquer outro texto “complexo”, ser lido de outra forma. Aliás, o próprio “Programa” do ensino secundário, na p. 7, pressupõe que a leitura dos textos em contexto “não deverá traduzir-se em leituras meramente reprodutivas ou destituídas de sentido crítico” – como defende Aguiar e Silva e nós subscrevemos.
A APP não tem como modo de atuação, desde que foi criada em 1977, o apelo a atitudes de desobediência civil, mas não descarta o seu direito inalienável de defesa do pensamento crítico, em matéria de educação, de ensino e aprendizagem da língua portuguesa.
Neste contexto, é sintomático que a “cidadã” Helena Buescu não se queira confundir com a “coordenadora” da equipa dos programas. Esta diferença é tão importante que prefere e pretende esquecer aqueles aspetos que tornam a “coordenadora” uma cidadã pouco exemplar: a “coordenadora” Helena Buescu não tem qualquer problema que a “desobediência civil” seja um “acto com consequências jurídicas”, quando, em representação do MEC à frente desta equipa, sente o dever ético de não cumprir o Acordo Ortográfico de 90, que o mesmo ministério, que a contratou, exige a todos os professores e alunos, mesmo nas provas de exame nacional, como se constatou este ano.
A coordenadora Helena Buescu também não tem qualquer problema que as opções da sua equipa possam ter consequências negativas, educativas e sociais: sabendo que o programa tem, como foi demonstrado, erros científicos e educativos, preferiu não os corrigir na versão final aprovada; sabendo que a complexidade de um texto literário exige um “trabalho mais lento” por parte dos alunos, que devem “aprofundar o pensamento” e “ler inferencialmente” – objetivos com os quais não podemos estar mais de acordo –, não tornou os programas do básico e do secundário exequíveis para o tempo previsto, introduzindo apenas alterações de pormenor, no Programa do ensino básico, a partir dos contributos surgidos durante o período de discussão pública.
Os exemplos que dá de alterações para tornar este programa exequível deixam-nos, por isso, bastante perplexos: tornou opcional a “complexidade” de Pessoa no ensino básico (o que não é surpreendente sendo coorganizadora de um “Cânone Literário para a Europa” em que Pessoa não consta); retirou o caráter obrigatório de 12 (1,5%) das cerca de mil Metas Curriculares; reduziu “o número obrigatório de textos pelos quais os professores podem optar” (16%). Contudo, havia erros de outra natureza que seria necessário corrigir e que foram assinalados em vários pareceres de reconhecida competência científica. Todas estas são, certamente, decisões com consequências.
O último exemplo, de redução do número obrigatório de textos, significa sobretudo duas coisas: não só o “património” literário que os alunos devem conhecer obedece a um princípio de representatividade e a valores histórico-culturais e patrimoniais que são relativos, e portanto poderiam ser outros, como a equipa que Helena Buescu coordenou teve falta de coragem: a coragem de permitir que os professores e as escolas possam escolher textos de entre um corpus literário de referência, mais alargado do que o proposto, a coragem de não reproduzir diferenças socioculturais exteriores.
De facto, e ao contrário do que os programas defendem mas o Conselho Nacional de Educação já previra, as Metas Curriculares como referência anual já estão a condicionar os resultados das escolas em anos em que não há exames nacionais; tanto mais que a avaliação interna dos alunos, mais do que permitir ao professor “intervir de imediato”, anualmente, como defende Helena Buescu, leva as escolas a “condicionar a avaliação interna dos alunos à possibilidade de sucesso destes nas provas de avaliação externa”, como se refere na Recomendação n.º 2/2015, do CNE, e como os dados disponíveis na Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência o vêm confirmar. Aliás, no ensino básico acentua-se a redução de turmas, à medida que o ano de escolaridade obrigatória avança, evidenciando que os alunos vão ficando retidos pelo caminho.
Vendo bem, não compreender o que disse a professora Filomena Viegas numa pequena frase complexa é quase um “fait-divers” que se poderia facilmente associar à falta de gravitas que a época de verão sempre introduz. Infelizmente, as consequências são muito mais graves e a “cidadã” Helena Buescu não parece ter tido delas verdadeira consciência.

12-07-2015

A direção da APP