Tópicos sobre os resultados dos alunos por disciplina

a. Em 17 de outubro de 2023, publicámos uma extensa reflexão sobre os resultados dos alunos, tendo em conta os dois relatórios publicados pela DGEEC, que permitiam, como referimos, numa análise por ciclo, compreender a evolução dos resultados tendo em conta o universo total dos alunos ao longo dos (onze) anos em análise, a percentagem de alunos com classificação final de 4 ou 5 valores, o enviesamento de resultados por género, o enviesamento de resultados tendo em conta a situação económica das famílias, medidas pelos escalões da ASE, o número de alunos que conseguem recuperar uma negativa no ano seguinte, a percentagem de classificações negativas na disciplina entre os alunos retidos, entre outros dados que estes relatórios não analisaram, como os enviesamentos geográficos, que são significativos.

b. O relatório da DGEEC agora publicado não mostra nem analisa estes dados nem estas variáveis, não permitindo, por isso, uma análise fina. Por isso, sugerimos voltar a este tópico com dados mais completos que nos permitam uma visão mais robusta da evolução dos resultados dos alunos dos 2.º e 3.º ciclos. De facto, neste momento apenas podemos destacar que:

    1. Há uma estabilidade de resultados entre 2021/22 e 2022/23, sendo igual a percentagem de alunos com classificação final negativa a Português no 5.º ano, 6.º e 8.º, havendo uma ligeira subida dessa percentagem no caso dos alunos do 7.º (10% > 11%) e do 9.º ano (5% > 6%).

2. A evolução da percentagem de classificações negativas a Português, sendo estável numa série longa de resultados, mostra um contraste entre ciclos, havendo um ‘hiato’ entre essa percentagem no final do 2.º ciclo (com 6% no 5.º ano e 5% no 6.º) e no 3.º ciclo (com 11% no 7.º ano, 9% no 8.º e 6% no 9.º).

3. Apesar de a percentagem de classificações negativas ser mais baixa no 2.º ciclo e no 9.º ano, o decréscimo é mais acentuado no 5.º e no 9.º ano, o que sugere que há dificuldades persistentes na recuperação das aprendizagens (não adquiridas ou não consolidadas) no 2.º ciclo.

4. De facto, ao observarmos a evolução numa série longa de resultados, num intervalo de 12 anos, entre 2011/12 e 2022/23, inclusive, constatamos as seguintes taxas de esforço de recuperação das classificações negativas nos vários anos de escolaridade dos 2.º e 3.º ciclos:

      • 5.º ano: -62% de negativas (de 16% em 11/12 para 6% em 22/23).
      • 6.º ano: -58% de negativas (de 12% em 11/12 para 5% em 22/23).
      • 7.º ano: -50% de negativas (de 22% em 11/12 para 11% em 22/23).
      • 8.º ano: -50% de negativas (de 18% em 11/12 para 9% em 22/23).
      • 9.º ano: -62% de negativas (de 16% em 11/12 para 6% em 22/23).

5. Se tivermos em conta os anos de escolaridade em que se encontravam os alunos em 2019/20 e 2020/21, em que foi mais intenso o efeito de adequação dos conteúdos, competências e capacidades que foram objeto de avaliação, na sequência da pandemia, tendo em conta as diferentes condições de trabalho que havia, constatamos que os alunos

      • do 5.º ano, em 2022/23, se encontravam então nos 2.º e 3.º anos de escolaridade;
      • os alunos do 6.º ano se encontravam nos 3.º e 4.º anos de escolaridade;
      • os do 7.º ano se encontravam nos 4.º e 5.º anos de escolaridade;
      • os do 8.º ano nos 5.º e 6.º anos de escolaridade;
      • e os do 9.º ano nos 6.º e 7.º anos de escolaridade.

6. Estes dados, que são, como dissemos em i., bastante incompletos, parecem, no entanto, mostrar que houve uma recuperação de aprendizagens menos conseguida nos alunos que, em 2019/20 e 2020/21, estavam no final do 1.º ciclo e no 2.º ciclo – ou seja, uma recuperação que parece apontar para problemas nas aprendizagens e na sua consolidação sobretudo no 2.º ciclo.

7. Mas, como referimos na reflexão de outubro de 2023, «em Portugal, são escassos os dados que permitem avaliar as perdas de aprendizagens resultantes da pandemia. Em 2021, os resultados das provas de aferição constituíram os primeiros dados recolhidos de forma sistemática durante [esse período]. Os resultados das provas do ano seguinte, em 2022, mostram uma certa volatilidade, sendo possível mostrar que:

      • os resultados dos alunos do 2.º ano, em 2022, parecem estar diretamente relacionados com o efeito da pandemia nas aprendizagens, nomeadamente no domínio da oralidade;
      • de modo idêntico, os resultados dos alunos do 5.º ano, em 2021, num estudo por amostra, revelam uma descida global em todos os domínios (oralidade, leitura e educação literária, gramática, escrita), o que também parece poder, pelo menos em parte, explicar-se pelo efeito da pandemia nas aprendizagens;
      • os resultados dos alunos do 8.º ano, em 2022, em todo o universo, mostram uma melhoria de resultados, em todos os domínios, relativamente a 2017, o que não parece ‘compatível’ com o efeito da pandemia (de ressalvar, apesar da melhoria global, que o desempenho médio dos alunos em leitura / educação literária e gramática é, apesar dessa melhoria, negativo: 40,7% e 31,1%, respetivamente).»

8. Por outro lado, os dados do relatório sobre as práticas de leitura [Mata, João Trocado da, & Neves, José Soares (Coords.) (2020). Práticas de Leitura dos Estudantes dos Ensinos Básico e Secundário – Primeiros resultados. PNL/ISCTE.] mostram que 35% dos alunos nunca ou raramente leem livros (p. 42) e que a escola, em termos de literacia de leitura, responde com uma baixa exposição a atividades de leitura e de escrita nas aulas de Português (apenas um em cada três alunos – 34,9% – tem uma exposição alta).

9. Tudo isto indica que é prudente aguardar por resultados mais completos dos próximos relatórios da DGEEC, mas estes resultados, por escassos que sejam os dados, também revelam que há muito a fazer para que os resultados dos alunos, em Português, sejam robustos, satisfatórios e revelem uma significativa qualidade das aprendizagens, em todos os domínios – tal como a prova final de ciclo, no 9.º ano, em 2024, mostra, como dissemos neste relatório:

      • «Mais relevante do que a descida de 1,5 pontos [em 2024, relativamente a 2023], será a análise […] da dispersão dos resultados: em 2022, havia mais alunos nos extremos do que em 2019, antes da pandemia, ou seja, mais alunos com nível 100 mas menos alunos no intervalo 90%-100% e, sobretudo, mais 58% de alunos com resultados inferiores a 40%: 9443 em 2019 vs. 14911 em 2022. Em 2023, o número de alunos com resultados inferiores a 40% baixou para 8529, um valor inferior ao resultado antes da pandemia e que é um indicador positivo, que teremos de ver se se mantém em 2024.»
      • Não conseguimos «quantificar, de forma clara, o efeito dos planos de recuperação nas aprendizagens dos alunos, ainda que os resultados das provas finais de ciclo de Português pareçam sugerir que há um efeito positivo

10. Por outro lado, há um contexto de ‘tempestade perfeita’ (mais de 35% dos alunos raramente leem ou nunca leem livros, havendo uma baixa exposição a atividades de leitura e de escrita nas aulas de Português e insuficiência de professores da disciplina durante provavelmente uma década) e parece não haver capacidade instalada no ensino superior para responder rapidamente a esta necessidade urgente de formação de professores, por isso será preciso dar continuidade a áreas prioritárias de formação (ver documento da APP aqui), tendo em conta o pluricentrismo da língua portuguesa, e prever projetos de apoio aos professores (mais jovens) que previsivelmente vão entrar nos próximos anos no sistema educativo.

11. Sem estas condições, é bastante difícil que os resultados escolares da disciplina de Português possam melhorar de forma consistente, contínua e robusta, nos próximos anos.

 

Lisboa, 9 de setembro de 2024

A Direção da Associação de Professores de Português

 

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