A entrevista que o presidente da direção deu ao jornalista Miguel Roque Dias, do programa Páginas de Português, centrou-se no balanço do 16.º ENAPP, que teve lugar na Universidade de Aveiro, nos dias 3 e 4 de julho, e vai ser transmitido no próximo domingo, dia 3, às 12h30, na Antena 2.
Síntese das principais ideias:
i. O encontro – dimensão, participantes e importância para os professores de português.
Houve mais de cem participantes em dois dias intensos de trabalhos e comunicações de grande qualidade e importância, no congresso que decorreu na UA, nos dias 3 e 4 de julho, numa organização conjunta entre a Associação de Professores de Português e a Universidade de Aveiro.
Este 16.º ENAPP permitiu uma reflexão urgente sobre problemas centrais dos professores de Português:
Constatamos que os alunos continuam a ler pouco e não aprendem melhor – e os resultados positivos no exame do 12.º são ilusórios e escondem uma realidade consistentemente problemática numa série longa de resultados.
Constatamos, entre a Conferência Internacional para o Ensino do Português, em 2007, em Lisboa – em que Luís Prista reconhecia, a propósito do tema do cânone escolar e do uso dos textos nas aulas, que, nas aulas de Português do secundário, ainda prevalecia o modelo da aula «textocêntrica mas com pouca leitura», seguindo o formato de planificação a partir do texto, que era lido pelos alunos sem tarefa explicitada e questionário oral fundamentalmente avaliativo – e a apresentação, em 2025, pelo IAVE, do Relatório descritivo de resultados dos exames finais nacionais do ensino secundário 2017-2023 – principais conclusões e potencialidades pedagógicas, em que se reconhece uma tendência paralela de perda de pontos, nas várias disciplinas, entre os itens de menor complexidade cognitiva e os itens mais complexos, considerando a totalidade dos alunos que realizaram os exames do secundário, em 2022/23, e o subconjunto dos melhores alunos, que tiveram classificações iguais ou superiores a 150 pontos, constatamos, como dizíamos, a persistência de resultados escolares fracos, destacando-se várias fragilidades transversais, independentemente da área do saber – mas a que a disciplina de Português não ‘escapa’ –, e que derivam, sobretudo, de fragilidades na competência leitora, no pensamento complexo e na análise crítica, que indicam claramente que, ao longo do percurso escolar dos alunos, são desenvolvidas principalmente competências de menor complexidade cognitiva – os níveis 1 e 2 da taxonomia usada na avaliação externa e que correspondem a reconhecer e reproduzir, ou interpretar e aplicar, respetivamente (e não a raciocinar e extrapolar, por exemplo).
No caso do Português, em particular no ensino secundário, mas não apenas[1], as evidências dos resultados dos instrumentos de avaliação externa mostram que, entre as fragilidades e as maiores dificuldades, se destacam a realização de inferências, a explicitação de valores simbólicos, o estabelecimento de relações complexas entre diferentes elementos textuais, a estruturação do discurso e a correção linguística.
ii. O tema central – oralidade e literatura: porquê esta escolha e que desafios levanta.
Neste contexto, este tema central pareceu-nos o mais pertinente e urgente.
Estamos numa situação de ‘tempestade perfeita’, num contexto de insuficiência de professores de Português durante uma década, pelo menos, e em que parece não haver capacidade instalada no ensino superior para responder rapidamente a esta necessidade urgente, e sem que o sistema educativo consiga atrair os melhores alunos do secundário para esta profissão, e em que cerca de 35% dos alunos nunca ou raramente leem livros ao longo de toda a escolaridade e em que a escola não sabe muito bem o que fazer, nomeadamente em termos de literacia de leitura, com os alunos que ficam retidos nalgum ano, o que se traduz em resultados escolares fracos, em séries longas de resultados – por ex. na avaliação externa –, nesta situação de ‘tempestade perfeita’, como dizíamos, constatamos que os alunos continuam a ler pouco e não aprendem melhor, não conseguindo falar ou escrever sobre um texto com verdadeira autonomia crítica.
No plano do ensino da oralidade, os dados continuam a apontar para o facto de que a compreensão e a expressão oral são sobretudo meios de avaliação, não sendo constituídas como um objeto de aprendizagem com conteúdos explícitos. Muitas perspetivas didáticas continuam a encarar a oralidade como um apoio / extensão da escrita pelo que, não raro, falar é sinónimo de escrever. Acresce que a formação de base dos professores não lhes permite compreender o oral como sendo composto por várias dimensões que cumpre trabalhar explicitamente em sala de aula, que esse domínio do Português se concretiza em géneros orais, que têm especificidades próprias e que deverão ser sistematizadas e trabalhadas. Por fim, os próprios documentos de referência curricular acabam por apresentar propostas demasiado genéricas que não contribuem para o efetivo desenvolvimento das práticas em sala de aula.
iii. Momentos fortes – conferências, mesas-redondas e oficinas que marcaram o encontro.
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iv. Desafios atuais – ensino da oralidade, leitura, cânone literário e impacto das novas tecnologias.
Os momentos fortes do Encontro deram respostas aos desafios atuais e cruzaram-se com o que o presidente da direção destacou na sessão de abertura como um emblema geral das dificuldades dos professores de Português, ao evocar aquele espaço de pensamento e reflexão que há no Pavilhão do Conhecimento, desde 2020: uma intervenção da artista Carolina Almeida, que criou um módulo na sala da exposição permanente intitulado «Tempo para pensar». E com a extenuante sobrecarga de trabalho que os professores têm, ao ponto de não se poderem dedicar às tarefas didáticas e pedagógicas que são o núcleo central do nosso trabalho de resposta às dificuldades dos alunos, nunca como agora precisámos tanto de tempo para pensar.
E no congresso vários momentos fortes nos ajudaram a pensar todos estes tópicos, mais do que dar respostas específicas.
A conferência de abertura, de Ana Paula Arnaut, da UC, destacou a intertextualidade entre Vieira e Saramago, numa abordagem que permitiria aos alunos do secundário uma apropriação, que escapa à lógica unidirecional típica dos manuais, uma abordagem que aproximaria temas, estilos, forma e conteúdo entre diferentes autores, distantes no espaço e no tempo, numa leitura que poderia contribuir para desenvolverem o prazer de interpretar e de pensar autónoma e criticamente sobre os textos lidos.
A conferência de Annabela Rita, da UL e da UAb, abordou e relacionou o cânone literário, a cultura e o ensino, mostrando alguns marcos sobre o pensamento da identidade portuguesa e como o cânone reúne respostas que são dadas às problemáticas de uma comunidade e que vão mudando com o tempo.
O momento central da conferência terá sido quando se cruza esse itinerário de auto e heteroconhecimento com as questões centrais do congresso, sugerindo, como resposta à pergunta ‘o que fazer para dar a ler essa identidade?’, o conceito de roteiros que permitam redes relacionais entre as artes, i.e., uma resposta robusta que pressupõe uma ligação e relação entre literatura, cultura e arte(s), tanto mais que a relação é o padrão mínimo de compreensão (Gregory Bateson dixit). Essa resposta didática e pedagógica pode ser dada pelos roteiros de relações interartes, pensando nas questões em rede – uma rede também interna às escolas e às respostas de formação que podemos dar a esse nível, se tivermos tempo para pensar… – e que permitiria uma leitura de nós em diálogo com os outros, um diálogo entre o Português e as outras disciplinas, um diálogo entre a literatura, a filosofia, a arquitetura, a cartografia, a pintura, a música… – como se a Educação Literária fosse uma Educação Literária e Artística, o que constitui a proposta que a APP fez precisamente no parecer sobre a revisão das AE.
Esta visão atravessou também o painel sobre a literatura, que abordou múltiplos tópicos, desde uma cartografia da descrença, que reflete uma tensão na luta contra o tempo, até à questão do próprio cânone e à relação entre essa lista e a dificuldade de os alunos fazerem leituras pessoais, críticas e robustas, em que prevaleçam competências cognitivas mais sofisticadas, e até ao trabalho de forma estruturada para os alunos poderem integrar e se apropriarem do cânone, à necessidade de se desenvolverem competências complexas de leitura, em ambientes ricos de leitura – todos leem e os alunos têm rotinas diárias de leitura –, reinventando a sala de aula, renovando a formação inicial e contínua, podendo haver itinerários de formação construídos pela escola e na escola, e destacando as respostas pedagógicas e didáticas que podem surgir em oficinas de escrita criativa e destacando ainda o papel do teatro, que também esteve em destaque numa das oficinas apresentadas e na mesa-redonda. Nalgumas destas respostas, os clássicos são ponto de partida e não de chegada, portanto.
As outras oficinas destacaram tópicos tão centrais e relevantes como a literatura digital, o lugar da literatura na escola, a fluência da leitura e o ensino da oralidade.
No caso da conferência de Luzia Bueno e do painel sobre a oralidade, destacamos a necessidade de entrarem na sala de aula os vários planos da oralidade (que não se reduzem ao texto e têm a ver também com aspetos da voz e do corpo: a prosódia (volume, ritmo, pausas, entoação, ênfase…), a gestualidade, a postura corporal, a expressão facial, o contacto visual), evitando a omnipresente didática centrada no texto e que reflete uma tradição ligada à escrita. Luzia Bueno, em particular, destacou a necessidade de se diversificarem os géneros orais – trazendo para a sala de aula géneros que não estão sequer nos programas, em Portugal, e que permitem uma maior aproximação à realidade atual, como é o caso dos podcasts e dos programas de rádio) – e destacou a necessidade de se rever a formação de professores, com uma aposta mais estruturada para o ensino da oralidade, tendo em conta estas dimensões que a APP, na revisão que fez das AE, propôs que ficassem no domínio da oralidade (na expressão oral). De facto, os professores de Português têm uma formação inicial que é deficitária em muitas destas dimensões – em particular, ensinar a oralidade não faz parte da sua formação. E se esta é necessária, também é importante haver uma prática didática acompanhada para os professores poderem ter essa experiência enquanto oradores.
Na verdade, uma das conclusões do painel sobre a oralidade tem a ver com a perceção dos professores – que têm a noção de que é importante ensinarem a oralidade mas não lhe dedicam muito tempo e trabalham sobretudo o texto (oral), porque não têm consciência do que é, de facto, a oralidade e do que ela exige.
v. O que fica – conclusões principais e próximos passos para a APP e para o ensino do português.
Em síntese, podemos destacar, para lá das conclusões apresentadas no encerramento dos trabalhos, sobretudo a revisão das AE e algumas das propostas que deixámos à tutela, a quem já pedimos por três vezes uma audiência no último semestre – e que seria importante para discutirmos questões centrais que se ‘perpetuam no tempo’ como uma formação inicial desajustada da realidade e das necessidades dos professores e das escolas – sendo importante, além dos aspetos já referidos, que houvesse uma formação inicial robusta em PLM e PLNM. Neste caso, insistimos na necessidade de haver créditos de formação em sociodidática. E destacamos algumas das reflexões da APP:
Reflexão sobre as «Áreas prioritárias de formação dos professores de Português».
Reflexão da APP sobre o perfil docente para PLNM.
Plano Estratégico para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira.
Reflexões da APP sobre as «Condições de exercício da profissão docente».
Reflexão sobre a falta de professores e algumas consequências no sistema educativo.
Quanto às AE, as alterações propostas que já fizemos incluem ações estratégicas para o 1.º ciclo, complementares às atuais, de que destacamos a consciência da palavra, a consciência silábica, a consciência fonémica, pela importância que têm para a aprendizagem da leitura e da escrita dos nossos jovens estudantes. E destacamos ainda a revisão aprofundada do domínio da oralidade, a definição de orientações para a avaliação dos alunos, em todos os ciclos, com a inclusão de projetos pessoais de leitura autónoma e por prazer, prevendo 30 minutos por dia até ao 9.º ano e 60 minutos de leitura por dia no ensino secundário, a definição de níveis de desempenho para os vários domínios de todos os anos de escolaridade, em Português e PLNM e nas disciplinas de Literatura, com a sugestão de a articulação desses domínios com Cidadania e uma proposta de revisão de Educação Literária, com orientações gerais em que se sugere o desenvolvimento da competência interpretativa – procurando responder à pergunta: como fazer da interpretação uma verdadeira atividade e não a receção passiva de uma leitura apresentada como da responsabilidade de uma autoridade? – e fazendo também uma proposta de revisão dos livros de leitura obrigatória, em que está subjacente o princípio de mais obras com mais liberdade de escolha, integrando mais textos de autoras e mais obras de teatro.
Pedimos ainda à tutela a autorização para podermos prosseguir na revisão das AE em setembro, no sentido de:
i. Completarmos a revisão do domínio da Oralidade, de todos os ciclos, incluindo uma proposta sobre a «Compreensão da Oralidade» (a proposta que fizemos foi apenas sobre a «Expressão Oral»).
ii. Revermos, de forma completa, os «Tópicos de Conteúdo» das obras propostas em Educação Literária, no ensino secundário, de forma a serem atualizados por especialistas nas referidas obras.
iii. Integrarmos, na coluna de «AE: Conhecimentos, Capacidades e Atitudes», no domínio da Educação Literária de todos os ciclos, um conjunto de competências complexas de leitura, que precisam urgentemente de ser mobilizadas, uma vez que constatamos, pelos resultados da avaliação externa e pelos estudos internacionais, que os alunos manifestam fragilidades na competência leitora e que, ao longo do seu percurso escolar, são desenvolvidas principalmente competências de menor complexidade cognitiva.
Além destas respostas, de exposição alta a atividades de leitura e de escrita, que tipicamente devem ocorrer na aula de Português, e de recurso a didáticas que privilegiem as competências mais complexas definidas no Perfil dos Alunos, a APP também está a amadurecer um projeto a que chamámos mentoria e que servirá para apoiar os professores mais jovens que previsivelmente vão entrar nos próximos anos no sistema educativo – professores com habilitação própria que acabam por vir para o sistema sem terem feito uma formação específica na sua área de docência. A ideia é que os professores com mais experiência lhes possam dar uma ajuda importante e, em muitos casos, criticamente importante.
De destacar, finalmente, que vamos editar, no início de 2026, a revista Palavras com o essencial das comunicações apresentadas no Encontro, o que permitirá uma leitura, análise e reflexão com mais tempo de todos os textos e comunicações apresentados.
[1] Cf. esta reflexão sobre a prova do 9.º ano, em 2024, e esta, de junho de 2024, sobre as provas de aferição de Português, para alunos do 8.º ano, em que podemos ler que «Como há dados, no Estudo Diagnóstico do IAVE, que mostram que, na literacia de leitura e da informação, apenas cerca de 29% dos alunos do 3.º ano, 25% do 6.º e 30% do 9.º conseguem resolver itens e tarefas de maior complexidade, que implicam fazer inferências, analisar, comparar, estabelecer relações ou criar, por ex., os dados que a prova de aferição de Português de 2024 e este item em particular mostrarem poderão comprovar, [como se constatou], que as didáticas mais usadas pelos professores não parecem privilegiar as competências mais complexas definidas no Perfil dos Alunos e que a recuperação das aprendizagens, entre 2022 e 2024, se fez sobretudo apenas no nível mais elementar de complexidade cognitiva dos desafios e das experiências de aprendizagem propostos aos alunos.»
Página do programa e fonte da imagem aqui.