Citação da semana – 11.jul.25

Citação da semana – Annabela Rita

«O livro [História Global da Literatura Portuguesa, com direção de Annabela Rita, Isabel Ponce de Leão, José Eduardo Franco e Miguel Real (Temas e Debates, 2024)] resulta, então, dessa tentativa de adotar um olhar mais transversal, que não se circunscreve à História Nacional. De que diálogos estamos a falar?

De muitos, na verdade, mas, em especial, de dois no espaço da cultura: aquele que o autor de cada texto estabelece com os seus contemporâneos e com a sua anterioridade, mas também o diálogo estabelecido pelos sucessivos leitores, que irão relacionar cada texto com o seu próprio imaginário e referencialidade. (…) Nada existe sem influenciar o que está ao lado. É com base nesta premissa que o nosso local, a Literatura portuguesa, se assume como glocal, quando se inscreve numa globalidade que lhe dá uma moldura de sentido.

Como é que esse posicionamento se reflete e concretiza no livro?

Há um modelo e uma estratégia que foram transmitidos a todos os colaboradores escolhidos para assinar os diferentes verbetes [os capítulos]. Trata-se de uma nova visão. Todos nós, autores, coordenadores e diretores da obra, conhecíamos a Literatura portuguesa em função dos modelos com que fomos criados e formados, e que continuam válidos. Mas, agora, queremos observar a paisagem de outra maneira, ou seja, através de uma rede de relações que se expande no tempo, no espaço e nas próprias áreas disciplinares. Por isso, os textos em análise surgem em relação com outros textos, que podem ser musicais, pictóricos, etc. Por exemplo, não podemos pensar Sophia [de Mello Breyner Andresen] sem pensar a Antiguidade Clássica. (…) O positivismo representava a mudança histórica como uma flecha linear e ascendente. Hoje sabemos que não é assim: a metamorfose, na literatura como nas outras artes, não é linear e só se entende se tivermos a visão [mais geral] da paisagem.

(…)

O cânone literário continua a ser um reduto masculino?

Há uma ideia de que o cânone é um conjunto fixo de obras de referência e não é verdade. À medida que as obras vão surgindo, vão sendo lidas e relidas e mudando o seu lugar nesse mapa/lista. O teste do tempo e da receção é importante. Depois, a nossa perceção da identidade também se altera, portanto, se a literatura (também) é uma cristalização hipercodificada da cultura, a nossa visão de nós mesmos vai influindo nas seleções que vamos fazendo. O cânone, originalmente uma unidade de medida, não é permanente, é altamente mutável no espaço e no tempo. Essas alterações vão dando conta dos sentidos da História e da Cultura.»

 

Annabela Rita (2025). Annabela Rita: «Há uma historiografia que é feita com base na visão heroica e que reserva a à mulher um papel doméstico». Máxima em linha, 11 de fevereiro de 2025.

 

 

Entrevista e fonte da imagem aqui.