«Falou há pouco do acaso. Que lugar é que ele teve na sua vida?
Enorme. Tenho um respeito tão grande pelo acaso que até tremo. Por exemplo, eu sempre achei que a literatura estava muito acima da craveira que eu podia alcançar. Ainda hoje isso me provoca uma espécie de acanhamento. E se venci os meus bloqueios, devo-o justamente ao acaso. Como já disse, entreguei o manuscrito do meu primeiro livro ao Novais Teixeira. Se ele não tivesse mexido os cordelinhos, o manuscrito tinha desaparecido. Eu nem sequer tinha uma cópia.
E nesse caso talvez hoje não fosse escritor.
Não era certamente. Teria sido apenas professor. Ficava lá na universidade, quietinho.
Os críticos literários reconhecem-lhe o uso de um português de lei, inventivo, rigoroso, com requintes de estilo. A escrita dá-lhe prazer?
Não. É obrigação. Sinto uma obrigação de manter o significado, de manter a riqueza do idioma. De encontrar harmonia, no sentido musical. E ritmo.
Dá muito trabalho?
Dá. Por isso escrevo pouco. Parto de uma ideia, de uma personagem, de um acontecimento. E depois há uma construção, quase toda mental. É feita à noite, na cama. Ou nos momentos em que me abstraio.
Escreve todos os dias?
Não. Posso estar horas seguidas à volta de um texto e depois não escrever uma linha durante semanas. Não me imponho prazos, nem planos nem esquemas. O meu grande problema, depois de a coisa estar escrita, é começar a limpar. Este livro que saiu agora, “O Meças” [Quetzal], tem 180 páginas. Tinha umas 400. Limpar dói, porque é trabalho que se deita fora, mas é essencial. Às vezes até exagero nessa depuração, mas prefiro que tenha mais osso, reduzo ao máximo a palha.»
José Rentes de Carvalho (2016). J. Rentes de Carvalho: «Nasci rebelde e nunca deixei de o ser». Expresso em linha, 1 de maio de 2016.
José Rentes de Carvalho fez 95 anos ontem, dia 15 de maio de 2025.
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