Citação da semana – 29.nov.24

Citação da semana – Boris Groys

«Quando escrevi o livro sobre o novo, estava a dar aulas na Universidade do Texas. Lá, existe um sistema especial de educação em que todos têm de escrever artigos. E todas as vezes te perguntam o que há de novo naquilo que propões. Se não houver nada de novo, o teu trabalho é rejeitado. Este sistema pareceu-me esquizofrénico, porque, por um lado, eu dizia que não havia nada de novo, por outro lado, exigiam-me que apresentasse algo de novo. O mesmo para os artistas, que tinham de produzir algo de novo também. Músicos, artistas, bailarinos, todos tinham essa obrigação. A exigência de produzir algo novo continua a ser a exigência mais importante. É assim que as coisas funcionam lá. Para mim, a questão que se colocava era: porquê esta impressão de que não existe nada de novo?»

Boris Groys (2024). Depois de matar Deus, a humanidade recriou-o por meios tecnológicos. Electra em linha em 29 de novembro de 2024.

 

Nesta entrevista a Catarina Pombo Nabais, autora do livro Philosophical Conversations – Towards Self-Design, o consagrado filósofo Boris Groys fala sobre a questão do novo — um tema que tratou com enorme argúcia no livro Über das Neue. E acrescenta:

 

«Claro que não se pode dizer com nenhum grau de certeza que existe nada de novo. Para sabermos que nada é novo teríamos de conhecer todo o futuro, até o Apocalipse e o fim dos tempos; então, sim, poderíamos dizer que não há nada de novo aí. Mas tal não é possível. Ou seja, se adoptarmos um ponto de vista lógico, esta é uma afirmação completamente absurda, o que coloca outra questão: porque é que surgiu esta exigência de uma constante produção do novo? A minha resposta é a seguinte: porque o passado foi esquecido. Porque perdemos a nossa cultura, ou nunca a conhecemos. Como perdemos o passado, não sabemos o que é novo ou o que é antigo, porque não temos termo de comparação. Não podemos dizer que algo é novo se não compararmos: isto é novo, aquilo é antigo. Mas nós não fazemos isso. Por exemplo, nos anos 90 dei aulas sobre os versículos. Nenhum dos meus alunos tinha lido a Bíblia. Nenhum. Acho que nem tinham lido Shakespeare. Dante ou a Bíblia, por exemplo, eram completamente novos, porque aqueles alunos não tinham qualquer conhecimento sobre eles. E se alguém lhes tivesse apresentado a poesia de Dante como sendo poesia nova, teriam acreditado. E teriam acreditado porque não conhecem a poesia de Dante. Se não tivermos este arquivo de conhecimento cultural, não sabemos dizer o que é novo e o que é antigo. O que proponho é falarmos apenas do novo na sua relação com o arquivo. Não com o sistema, porque isso é outra questão. Se não tivermos arquivos, como museus, bibliotecas, universidades, não podemos dizer o que é novo. Para os pintores da academia do século xix, as imagens planas produzidas no Japão e na China eram absolutamente novas. Essas imagens sem espaço tridimensional eram completamente novas e anunciaram o início do modernismo. Mas é claro que na China e no Japão era comum encontrar quadros planos, arte plana ou imagens planas. Para eles, a ilusão da tridimensionalidade é que era nova. Assim, o que é novo para uma cultura pode ser antigo para outra. No início dos anos 90, o capitalismo era completamente novo no Leste da Europa, pelo menos na Rússia, porque nunca tinha acontecido. Para mim, quando falamos do novo e do antigo, trata-se sempre de um efeito de comparação entre o que já se encontra estabelecido como um valor cultural e o que ainda não foi estabelecido como tal. O que não está estabelecido como valor cultural é novo porque não está incluído no arquivo. Mas aquilo que não está incluído no arquivo pode ter mais de dez mil anos. Hoje, começa a incluir-se no arquivo cultural alguns quadros de aborígenes australianos pintados há mil anos. Mas esses quadros são novos no nosso contexto artístico e no nosso arquivo. A ideia do meu livro é a de que a relação entre o novo e o antigo é espacial. Parece paradoxal, porque não é uma relação de tempo, ou uma relação no tempo. É uma relação no espaço. O que está dentro do arquivo é antigo. O que está fora do arquivo é novo. Mesmo que tenha sido produzido há dez mil anos.» [negrito nosso]

 

 

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