» DEBATE GRATUITO COM INSCRIÇÃO OBRIGATÓRIA AQUI «
Ana Paula Arnaut:
Professora catedrática pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Leciona Literatura Portuguesa Contemporânea na mesma universidade e é investigadora do Centro de Literatura Portuguesa, onde coordena o projeto Dinâmicas Hipercontemporâneas e integra o grupo Figuras da Ficção. Os seus principais interesses incidem sobre Literatura Post-Modernista e Hipercontemporânea, áreas em que tem vários livros e artigos publicados. Destacam-se, entre outros:
Memorial do convento. História, ficção e ideologia (1996), Post-Modernismo no romance português contemporâneo: Fios de Ariadne-máscaras de Proteu (2002), José Saramago (2008), António Lobo Antunes(2009), As mulheres na ficção de António Lobo Antunes. (In)variantes do feminino (2012), O ano da morte de Ricardo Reis de José Saramago (2017), As palavras justas. Ensaios sobre Literatura e Direito (org.) (2020), & The Hypercontemporary Novel in Portugal. Fictional Aesthetics and Memory after Postmodernism (ed. com Paulo de Medeiros) (2024).
Carmo Oliveira:
Professora do ensino básico e secundário há 34 anos, atualmente no Agrupamento de Escolas Aurélia de Sousa, no Porto, desde 1999. Doutorada em Linguística, na área da sintaxe, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), onde lecionou durante alguns anos a cadeira de Metodologia do Ensino do Português, foi durante alguns anos supervisora pedagógica, em colaboração com a FLUP. É membro da comissão científica das Olimpíadas da Língua Portuguesa e autora, entre outros, do artigo «Criação de leitores, criação de mundos – Memorial do Convento: ler, criar, jogar», na revista Palavras 56-57, 2020, pp. 73-88, e dos seguintes artigos, entre outras obras:
Rodrigues, S. V., Viegas, F., & Oliveira, C. (2022). Ensinar gramática. Percursos que se criam, caminhos que se trilham. Linguística. Revista de Estudos Linguísticos da U.P.
Brito, Ana Maria, Morgado, Celda, & Oliveira, Carmo (2019). A reflexão gramatical na aula de língua materna: porquê? quando? como? In A. Leal, et al.. (Eds.), A linguística na formação do professor: das teorias às práticas (pp. 47-60). FLUP. DOI: https://doi.org/10.21747/978-989-8969-20-0/linga4
Oliveira, Carmo. (2019). #”Memorial do Convento”: uma abordagem tecnológica, Sisyphus, vol. 7, 1, 103-122. [“Technology Enhanced Learning / Aprendizagem Enriquecida por Tecnologias”]
Maria João Covas:
Doutora em Línguas e Literaturas e Culturas, na especialidade de estudos literários, Mestre em Literaturas Comparadas Portuguesa e Francesa, dos séc. XIX-XX, e licenciada em Línguas e literaturas Modernas (variante de estudos portugueses e franceses), tudo pela Universidade Nova de Lisboa. É pós–graduada em Gestão de Bibliotecas Escolares, tem o curso de nível III de Revisão de Texto da Escrever Escrever e é formadora em Português / Língua portuguesa / Literaturas portuguesa / Didácticas específicas (português). É professora desde 1985 e professora participante do projecto #EstudoEmCasa e #EstudoEmCasaApoia, entre 2020 e 2024. É autora, entre outros, da obra Depois de Orpheu: 1916-1935 (tese de doutoramento, 2016) e do canal do Youtube Livrosgosto, sobre livros. Tem ainda uma página de Instagram e de Tik Tok sobre o mesmo assunto – é apaixonada por livros e leitora compulsiva.
Pedro Silva:
Licenciado em Línguas e Literaturas Clássicas e Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, mestre em Literatura Portuguesa pela mesma instituição, e pós-graduado em Administração e Organização Escolar, pelo Instituto de Estudos Superiores de Fafe.
É docente, desde 1996, no ensino público, exercendo atualmente funções de direção. É também formador nas áreas da Língua, Literatura e Linguística Portuguesa. Desenvolve, desde 2007, a atividade de autor de manuais escolares de Português do ensino secundário, regular e profissional, do 2.º ciclo e de Literatura Portuguesa.
Texto de apresentação
Na revista Palavras 4/5/6, de 1983, Maria Alzira Seixo analisou «O escândalo do ensino do Português», referindo o problema dos programas, a formação de professores e o papel das universidades. E, na mesma revista, um texto da direção da APP, em coautoria com Emília Amor, refletiu sobre a degradação que atingia a prática do ensino do Português, com aberrações na proliferação dos programas, com pseudocientificidade balofa e improdutiva, e com discrepâncias patentes na definição de habilitações (p. 150).
Na revista n.º 7, em maio de 1984, Jorge Colaço analisou o estudo da literatura como uma «prática teórica» para concluir, em tom de lamento, sobre o «lamentável equívoco» de que se partia, ao «observar-se no espaço da aula desde a proliferação desenquadrada e improdutiva de múltiplas propostas, numa espécie de exercício de adivinhação, até ao sistema de imposição de análise única, com ou sem a autoridade «científica» que a utilização limitada do modelo parece conferir. O que se regista é a ausência de uma reflexão séria.» (p. 6)
Em 2002, na revista Palavras, n.º 21, Cristina Serôdio analisou, em «O ensino da literatura: concepções e práticas», o estudo realizado entre 1995 e 1996 sobre as «concepções e percepções que professores responsáveis pela docência da disciplina de Português a alunos de formação não humanística (Programa B) teriam relativamente às suas práticas de ensino de literatura». As práticas revelaram-se diferenciadas e podem agrupar-se e sintetizar-se em torno do modelo do professor «simplificador», que acentua «fortemente a desmotivação e desinteresse literário dos alunos, sem contudo se [responsabilizar] por alterar a situação», do professor «esteta», que «valoriza o desenvolvimento da sensibilidade estética e o melhoramento do gosto literário dos alunos», e do professor «pedagogo», que «encara globalmente o ensino da literatura, e possivelmente o ensino da disciplina de Português, com maior empenho e entusiasmo». Mas, e apesar de uma forte crença no poder das metodologias, e sem haver uma relação forte entre a idade, a formação académica (mais ou menos recente), o tempo de serviço profissional dos professores e as suas práticas, no domínio do ensino da literatura, parece haver, conclui a autora, «situações de desencontro entre os programas e as capacidades dos alunos (já não falando dos seus interesses). Nem todos os alunos conseguem envolver-se na leitura de obras difíceis ou distantes, cuja linguagem complexa constitui um impedimento ao interesse e à leitura. Pela diversidade de situações educativas, que só o professor no contacto com os alunos pode conhecer, haverá que atribuir aos professores responsabilidade profissional, não só nas opções metodológicas, mas também no domínio da selecção de textos, dentro de um eventual corpus estabelecido. Programas dominantemente restritivos promovem a desmobilização e a desresponsabilização dos professores que podem esquecer o seu profissionalismo.» (p. 35, negrito e itálico nossos.)
Em 2007, na Conferência Internacional para o Ensino do Português, que teve lugar em Lisboa, nos dias 7 a 9 de maio, Luís Prista, professor da ES José Gomes Ferreira e autor do célebre blogue Gaveta de Nuvens, reconhecia, a propósito do tema do cânone escolar e [d]o uso dos textos nas aulas de Português, que, nas aulas de Português do secundário, ainda prevalecia o modelo da aula «textocêntrica mas com pouca leitura», seguindo o formato de planificação a partir do texto, que era lido pelos alunos sem tarefa explicitada e questionário oral fundamentalmente avaliativo[1]. Na mesma conferência, no dia 9, o poeta e professor Manuel Gusmão discutiu o ensino da literatura como cultura («jogos de linguagem» que imaginam e dão a imaginar «formas de vida»), como arte (o fazer artístico como fazer dialógico e o efeito estético como «livre jogo das faculdades») e como história (a historicidade das «humanidades» e a história literária, a projeção de comunidades e individuação crítica e a apropriação e estranhamento) – (pp. 30-31, negrito nosso), abrindo outros caminhos possíveis para o ensino da literatura.
Em dezembro de 2023, no longo artigo «Porque falhamos a Português», no jornal Público, Carlos Ceia, autor de A Literatura Ensina-se?, discutia o «conjunto de decisões infelizes [que] encurralaram a disciplina num grau de experimentação de que poucos terão consciência», uma posição que se pode sintetizar neste conjunto de alegações: «na disciplina de Português, caminhámos sempre na direcção errada nos últimos 25 anos: uma cada vez menor exigência de conhecimentos de literatura, uma deserção do conhecimento de qualquer história literária, um afastamento do comentário literário, da escrita com espírito argumentativo sério, do convite à criatividade literária e não literária, do convite à leitura de fontes académicas sérias para fundamentação de leituras conhecidas, da extensão para outras leituras em diálogo com a leitura padrão conhecida, ou de um primeiro esforço de prática ensaística que preparasse o futuro universitário. Perdemos um pouco de tudo isto nas nossas aulas de Português ao longo de toda a escolaridade obrigatória.»
Neste contexto, em 2002, o relatório elaborado pela APP e coordenado por Aldina Lobo sobre O Ensino e a Aprendizagem do Português na Transição do Milénio recomendava, na p. 105, um perfil para o professor de Português que incluísse os seguintes «mandamentos»:
- Conhecer e dominar a língua
- Estimular as competências comunicativas
- Praticar metodologias ativas e diversificadas
- Regular o processo de ensino e aprendizagem
- Gerir a(s) diversidade(s) e a(s) diferença(s)
- Envolver-se em dinâmicas de grupo
- Promover a mudança.
Relativamente à literatura, o relatório defende, na p. 28, «um diálogo permanente entre professores e investigadores de áreas diversas. O professor precisa do que a investigação nas áreas da linguística ou da literatura põe à sua disposição tendo, no entanto, o cuidado de tudo fazer passar pela necessária adequação pedagógica aos vários níveis de ensino. Precisa também do que a investigação disponibiliza noutras áreas do saber e que têm a ver com as formas – com o como, quando e porque – os alunos aprendem melhor. Mas são os professores que poderão criar campos de investigação em resultado do que vão observando nas suas aulas, em resultado do que sentem ser as suas necessidades como docentes.»
Olhando para os resultados escolares, constatamos que os alunos continuam a ler pouco e não aprendem melhor. De facto, os dados do relatório sobre as práticas de leitura[2] mostram que 35% dos alunos nunca ou raramente leem livros (p. 42) e que a escola, em termos de literacia de leitura, responde com uma baixa exposição a atividades de leitura e de escrita nas aulas de Português (apenas um em cada três alunos – 34,9% – tem uma exposição alta). Tudo isto se reflete nos resultados dos alunos na avaliação externa e nos estudos internacionais[3], num contexto de insuficiência de professores de Português durante uma década, pelo menos, problema para o qual parece não haver capacidade instalada no ensino superior para responder rapidamente. A escola, por seu turno, evidencia hesitação nas suas práticas, nomeadamente em termos de literacia de leitura, e particularmente no caso dos alunos que ficam retidos nalgum ano – bem como do dos alunos com medidas seletivas e adicionais ou que nem sequer têm o português como língua materna –, situação que se agrava tendo ainda em conta que a população escolar é cada vez mais heterogénea (há mais alunos provenientes de famílias desfavorecidas no sistema de ensino) e, como mostra o relatório de Mata & Neves, há um distanciamento dos alunos que têm poucos livros em casa face à biblioteca escolar.
Estas dificuldades não são exclusivas do sistema educativo português. Na recente conferência do Plano Nacional de Leitura, no dia 8 de novembro de 2024, subordinada ao tema «Leitura. Prazer ou obrigação?», Emmi Jäkkö, diretora executiva do Lukukeskus – Centro Finlandês de Leitura, em Helsínquia, e uma dedicada defensora da literacia e adepta da promoção de uma cultura de leitura, defendeu o impacto de projetos de oferta de livros e a necessidade de uma prática regular diária de leitura, de pelo menos 30 minutos, para impulsionar significativamente essa literacia – além da importância da liberdade de escolher livros que apoiem o desejo de os jovens lerem e praticarem a leitura. Para isso, defendeu, é importante o empenho em contrariar as atitudes negativas em relação à leitura, por exemplo com oficinas que levem os alunos a encontrar mensagens subentendidas ‘entre as linhas’ das letras de canções de rap – e com o trabalho inspirador que o contacto de autores com os alunos proporciona, ao ponto de o Centro Finlandês para a Leitura ter uma média de marcações de dois mil contactos entre jovens e escritores, todos os anos, nas diferentes bibliotecas e escolas finlandesas. Tudo isto com resultados evidentes: 30% dos estudantes interessam-se agora mais por novos textos, como poemas, 50% dos jovens reconhecem ter aprendido algo que desconheciam e 40% dos professores observaram uma atitude diferente dos seus alunos em relação à leitura, depois de terem participado nessas oficinas.
É, assim, neste contexto problemático em relação à leitura e aos resultados dos alunos, que propomos discutir o ensino da literatura em Portugal, tendo em conta, em particular, o problema do cânone e as competências complexas de leitura, que os alunos, de uma forma geral, manifestamente não estão a desenvolver.
Para tal, e uma vez que, no contexto desta reflexão, se revela também importante o cotejo entre o que está previsto nos documentos curriculares, a didática da literatura e a investigação em literatura, a APP propõe a realização de um debate onde se abordem as seguintes questões, partindo das propostas e reflexões de um painel de convidados:
i. Cânone escolar:
– Que obras / autores que devem integrar o cânone escolar?
– Qual deve ser o lugar dos clássicos no cânone escolar?
– Devem ser introduzidos autores contemporâneos nos programas?
ii. Didática da literatura:
– Que conteúdos associar ao ensino da literatura?
– Qual o papel da história da literatura?
– Como promover o desenvolvimento de processos complexos de leitura?
iii. Motivação para a leitura literária (e para a promoção da leitura integral das obras):
– Como motivar os alunos para a leitura de obras literárias na escola?
– Como promover a leitura integral de obras literárias – ou deve apostar-se na leitura parcelar?
– No caso do ensino da literatura veiculado pelos manuais escolares:
Como tratar uma obra de leitura integral?
Consequências das pressões do mercado editorial?
Objetivos
Com esta ação de curta duração, pretende-se:
- Discutir o papel da leitura no desenvolvimento da literacia de leitura.
- Identificar as obras que devem integrar o cânone escolar.
- Discutir o lugar dos clássicos no cânone escolar.
- Debater o desenvolvimento de processos complexos de leitura.
- Discutir os processos complexos de leitura na sua relação com a escrita.
- Discutir a didática tendo em conta o papel da história da literatura.
- Analisar os processos implicados na promoção da leitura integral das obras.
- Debater a motivação dos alunos para a leitura de obras literárias na escola.
- Discutir o ensino da literatura veiculado pelos manuais escolares.
- Analisar as pressões do mercado editorial para uma didática da literatura em contexto escolar.
- Discutir a promoção do hábito de ler.
- Debater o prazer da leitura.
- Discutir o ensino da literatura na sua relevância para a vida dos alunos.
- Debater o ensino da literatura no contexto das novas tecnologias.
- Repensar as abordagens pedagógicas para levar os alunos a lerem em profundidade as obras do cânone literário.
- Promover a relação entre a literatura e as outras artes.
Conteúdos
i. A questão da leitura, no 1.º ciclo.
ii. Síntese da apresentação de Emmi Jäkkö na Conferência do PNL.
iii. O cânone escolar.
iv. A didática da literatura.
v. A motivação para a leitura literária.
vi Discussão e debate de ideias.
vii. Síntese dos principais argumentos e exemplos colocados em destaque no debate.
Bibliografia de trabalho
Programas / documentos de referência curricular em vigor:
Aprendizagens Essenciais do Ensino Básico
Aprendizagens Essenciais do Ensino Secundário
Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória
Outros recursos em linha
Carlos Ceia, «Porque falhamos a Português», Público, 2023.
Carmo Oliveira, «Criação de leitores, criação de mundos – Memorial do Convento: ler, criar, jogar», Palavras 56-57, 2020.
Conferência do PNL «Leitura. Prazer ou obrigação?» – vídeos, 2024.
Mata, João Trocado da, & Neves, José Soares (Coords.) (2020). Práticas de Leitura dos Estudantes dos Ensinos Básico e Secundário – Primeiros resultados. PNL/ISCTE.
Relatório (elaborado pela APP e coordenado por Aldina Lobo) sobre O Ensino e a Aprendizagem do Português na Transição do Milénio, 2002.
[1] Capucha, L. (2007). Conferência Internacional para o Ensino do Português. Resumos das apresentações (p. 29). Ministério da Educação – DGIDC.
[2] Mata, João Trocado da, & Neves, José Soares (Coords.) (2020). Práticas de Leitura dos Estudantes dos Ensinos Básico e Secundário – Primeiros resultados. PNL/ISCTE.
[3] Aido, João Pedro (2024). O perigo de ler livros (p. 8-9). L’Atitude. DGAE.