Futuros professores têm pior desempenho a Português do que aqueles que serão médicos?

Sem a interrogação, é este o título de um artigo da autoria da jornalista Clara Viana do jornal Público, 10 de Janeiro de 2019. O ponto de interrogação expressa, mais do que a minha dúvida, a negação do direito de se fazer essa afirmação a partir dos dados referidos no artigo.

A jornalista reporta-se a um estudo estatístico da DGEEC em que se comparam as classificações no exame final de Português de 2015/16, segundo os cursos superiores em que os alunos ingressaram em 2016/17. A média dos que entraram nos cursos de saúde e proteção social é de 12,4 enquanto os que entraram em cursos de educação se ficam pela média de 10,2.

A primeira ousadia está em considerar que o resultado de um teste de exame do 12.º ano equivale à medida do “desempenho a Português”. Um aluno pode falar, ler e escrever bem, apesar de ter uma classificação modesta no dito exame, que avalia também o conhecimento de textos específicos do programa do ensino secundário.

Mesmo aceitando a sua adequação estatística, a frase não é justa por se referir a uma média, isto é, a classificação de 10,2, que se atribui aos futuros professores, pode incluir elementos que têm classificações mais altas do que as de vários do conjunto dos que têm média de 12,4. A análise em percentis, na tabela da p. 19 do estudo estatístico,  mostra que há uma grande variabilidade. Num total de 967 alunos que foram para a Educação, os 20% melhores, isto é, 193 alunos, têm média de 12,2. Tendo em conta o desvio que se adivinha significativo, também entre estes, haverá alunos com boas notas no exame de Português. Pelo contrário, entre os 6170 elementos do grupo de Saúde e Proteção Social, há 1234 cuja média é de 9,6. Portanto, também entre os campeões do estudo, haverá classificações muito baixas.

Isto bastaria para pôr de lado o artigo como calunioso para uma classe profissional, pois parece tentar rebaixá-la ao colocá-la no penúltimo lugar do comparativo que faz, mas, como estudioso destes assuntos, vou continuar a análise.

Vejamos de perto o parágrafo em que se faz a principal inferência do artigo:

“Os alunos que escolhem cursos do ensino superior da área da Educação e esperam, portanto, vir a ser professores, estão entre os que têm pior desempenho a Português, indica um estudo da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), agora divulgado”

A área de Educação aqui referida inclui licenciaturas genéricas em educação que não formam essencialmente professores do ensino básico. Muitos podem trabalhar em empresas, na formação, por exemplo, em programas de índole diversa sem serem propriamente professores. Incluem-se também neste grupo os educadores de infância com cursos específicos em várias escolas superiores do país. Apenas as licenciaturas em educação básica formam professores do 1.º ciclo e, em alguns casos, do 2.º ciclo. Trata-se pois de um erro grave considerar que educação significa professores.

Mas há um erro ainda mais grave: uma parte substancial dos professores dos ensinos básico e secundário virá de outros grupos que têm médias diferentes.

A maior parte dos professores do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário será formada em licenciaturas que não fazem parte da área da educação, que tem média de 10,2, mas, principalmente das seguintes áreas: Artes e Humanidades (10,5), Ciências Naturais; Matemática e Estatística  (12), além de poderem também vir das áreas do Direito, das TIC, entre outras. Após a sua licenciatura (1.º ciclo de Bolonha), o jovem pode decidir ingressar num mestrado em educação (2.º ciclo de Bolonha). Por isso, não poderemos saber, agora, quais deles serão os futuros professores.

Isto é um exemplo do estado preocupante de algum  jornalismo sobre educação que, seguindo  aquilo que é mais vendável, produz afirmações opiniosas em vez de divulgar factos.

Que os candidatos a medicina estão entre os que detêm classificações mais altas não é novidade nenhuma. Que a profissão docente nunca foi a mais disputada em Portugal também não. Que os alunos, num sistema de caça à nota, tendem a procurar os cursos de maior prestígio também não é novidade.

Importa realçar que os jovens que seguem para os cursos de Educação Básica, uns com classificações mais altas, outros com classificações menores no exame de Português do secundário, fazem um percurso exigente no qual têm a oportunidade de melhorar as suas competências na leitura e na escrita, com disciplinas específicas para isso (comunicação e expressão em língua portuguesa, por exemplo) e há mestrados em educação onde se fazem provas específicas de desempenho a Português à entrada no curso.

Haverá também aqui uma diversidade enorme de acordo com escolas, professores, etc., que não nos permite garantir nada à partida, mas importa evitar generalizações indevidas, sobretudo aquelas que os dados não autorizam.

Luís Filipe Redes, 13 de janeiro de 2019