A Prova Final de Português (código 91), realizada no dia 23 de junho, apresenta quatro textos: texto A (texto dos média), texto B (texto expositivo), texto C (texto literário narrativo) e texto D (texto épico / lírico).
O texto A (domínio da oralidade, cerca de 1’25, repetido duas vezes) apresenta um questionário de quatro perguntas com itens de seleção (escolha múltipla). O texto de suporte da compreensão da oralidade é um documento áudio autêntico que apresenta um ritmo adequado à faixa etária dos alunos e a linguagem utilizada é simples e acessível, ou pelo menos não impede que os alunos compreendam o sentido essencial e possam responder aos itens da prova, favorecida pelo tema abordado, as bibliotecas públicas e digitais na Europa e o aumento de oferta de livros eletrónicos e outros espaços e projetos educativos que procuram ser fonte de prazer e de inspiração para os cidadãos europeus. As questões de escolha múltipla são todas obrigatórias e incluem um item de gramática, que reforça o conhecimento da língua como suporte para a compreensão do texto, o que é de saudar, uma questão com informação explícita no texto e duas questões que implicam uma inferência – sobre uma finalidade e sobre o ‘efeito retórico’ da repetição de uma forma verbal (“há”). Ou seja dois dos itens serão provavelmente mais acessíveis para os alunos do que os itens com um certo grau de complexidade, que relacionam diferentes elementos textuais.
O texto B (domínio da leitura, texto expositivo, com 4 notas de rodapé relativamente ao vocabulário) apresenta quatro questões com itens de seleção (uma de ordenação e três de escolha múltipla, duas das quais contam obrigatoriamente para a nota final e duas integram um conjunto de quatro itens que contribuem para a classificação final consoante a pontuação obtida nas respostas) e alude ao tema da história da leitura, destacando em particular o papel (simbólico) e o efeito da posse de um livro no ato de leitura, mas também a relação entre ler e ouvir ler, por um lado, e os diferentes efeitos na leitura que essa relação introduz, por outro. Há, assim, num tema ligado ao trabalho diário dos alunos – a experiência de leitura –, e apesar de se tratar de itens de seleção, uma certa complexidade que, sendo adequada aos conhecimentos, capacidades e competências previstos nos documentos curriculares, exige a mobilização de aprendizagens significativas:
- no item de ordenação, que retoma a informação essencial do texto, na inferência relativa ao ‘tipo de ouvinte’ e à ‘qualidade da leitura’ em voz alta;
- nos itens de escolha múltipla, em particular naquele que conta obrigatoriamente para a nota final e que prevê uma inferência de assunto por comparação entre dois parágrafos do texto;
- nos outros dois itens de escolha múltipla, sobre tópicos de gramática, o item 3.1 inclui uma locução condicional menos comum, mas o tópico sobre o grau dos adjetivos é mais acessível.
O texto C (educação literária / gramática) apresenta um excerto do conto “O Sésamo”, de Miguel Torga, autor que integra as Aprendizagens Essenciais do 7.º e 8.º anos e que já tinha estado presente no exame de 2022. O excerto exige 13 notas de rodapé, o que mostra que se trata de um texto com vocabulário menos acessível, e apresenta onze questões (nove de escolha múltipla e duas de resposta restrita). De notar que, em 2022, o texto C, também de Torga, tinha 9 notas de rodapé e seis itens de escolha múltipla, um de correspondência e três de resposta restrita, o que parece indicar que a prova de 2023 é mais acessível, apesar da maior dificuldade lexical do texto. De referir que o tipo de item não dá necessariamente origem a menor grau de complexidade ou de dificuldade, daí que ‘considerar que os itens de seleção são mais acessíveis do que os de construção é uma conclusão óbvia’ seja uma dedução que pode ser problemática.
No entanto, das nove questões de escolha múltipla, cinco dizem respeito ao domínio da gramática, incluindo um item sobre figuras de estilo que, apesar de só contar para a nota final se fizer parte das duas respostas com melhor pontuação, exige a mobilização de uma relação com um certo grau de complexidade entre diferentes elementos textuais (o narrador, a voz da personagem, o efeito na assistência), tendo em conta a própria complexidade da figura de estilo que descreve o efeito na assistência (e na qual se pode reconhecer uma hipálage, ou mesmo um oxímoro). As outras 4 questões de escolha múltipla sobre gramática parecem ser um pouco mais acessíveis, por relacionarem diretamente conectores e elementos de uma descrição, ou por retomarem conceitos de funções sintáticas, de classificação de orações subordinadas adverbiais ou de identificação de uma forma verbal no pretérito mais-que-perfeito simples – e, neste caso, com indicação, na instrução, de que se trata de ‘um tempo anterior ao momento em que [as personagens] escutam a história’. Os restantes 4 itens de escolha múltipla, dos quais 3 contam obrigatoriamente para a nota final, têm um grau de complexidade menor por se referirem a interpretação ou localização de informação explícita no texto, ou a explicação de vocabulário (que conta para a classificação final se ficar entre as questões com mais pontuação).
Quanto aos itens de resposta restrita sobre o texto C, que contam obrigatoriamente para a classificação final, ambos são de complexidade mais elevada, ainda que no quadro previsto nos documentos curriculares, que pressupõem, por exemplo, que os alunos adquiram estratégias de leitura persistente, fluente e eficaz, tendo em conta a complexidade e a dimensão que os textos poderão ter neste nível, ou que os alunos ‘relacionem os elementos constitutivos do género literário com a construção do sentido da obra em estudo’ (das Aprendizagens Essenciais [AE]). De facto, o item 4 implica o estabelecimento de relações com um certo grau de complexidade entre diferentes elementos textuais – relação entre o tempo da história e o tempo do discurso, por ação do narrador, o que pressupõe confrontar a história narrada, as palavras da personagem e o efeito dessas palavras na assistência. O item 11 implica associar um comportamento ao modo como a personagem é caracterizada, e incorporar essa relação numa inferência para construir a explicação pedida.
O texto D (educação literária) apresenta uma questão de resposta restrita a propósito de duas estâncias, de leitura obrigatória de acordo com as Aprendizagens Essenciais do 9.º ano, do episódio do “Adamastor”, da obra Os Lusíadas, de Luís de Camões.
Em 2022, o texto D da prova também era do mesmo episódio, mas o item de resposta restrita exigia o conhecimento específico da obra em geral e do episódio em particular, por um lado, e, por outro, a relação do conteúdo expresso nessa estância com o conteúdo do texto C, apelando, por um lado, ao conhecimento de conteúdos específicos da disciplina, mas, simultaneamente, ao desenvolvimento de competências como, por exemplo, o pensamento crítico.
Em 2023, o item de resposta restrita de educação literária conta obrigatoriamente para a classificação final e pressupõe que os alunos escrevam uma pequena exposição sobre vários tópicos, mas tendo necessariamente de identificar a personagem que ‘narra uma parte importante da sua história pessoal’. O facto de ser um texto bastante conhecido dos alunos, a referência a Tétis e a dimensão lírica do episódio tornam este item mais acessível. No entanto, a estruturação discursiva da resposta, organizando adequadamente os vários tópicos, os conhecimentos de educação literária invocados, os conhecimentos de metalinguagem sobre categorias da narrativa, e a inferência final (sobre a paixão e a desilusão amorosa), em particular, tornam este item mais complexo.
A prova termina com um item de resposta extensa com um tema de caráter transversal (a importância das histórias e a transformação pessoal das pessoas). O tema apresentado é pertinente e reforça a importância da articulação do desenvolvimento de competências cognitivas e das competências sociais e emocionais, apelando, por um lado, aos imprescindíveis conteúdos específicos e, por outro, às vivências e às experiências de cada aluno na construção do seu próprio saber – e ao papel da leitura na construção de cada pessoa. A escrita de um texto de opinião retoma os conteúdos avaliados em provas anteriores, o que torna este item mais acessível.
Sinteticamente, podemos dizer que a prova 91 de Português é bem construída e avalia conhecimentos, capacidades e competências previstos nos documentos curriculares de referência, nomeadamente nas AE.
A sua estrutura integra quatro textos, o primeiro dos quais avalia a compreensão da oralidade, o que é de saudar e realçar. Os outros três textos avaliam a compreensão da leitura a partir de um texto expositivo e de dois textos de educação literária, previstos nas AE, cruzando o domínio da leitura com o da gramática, o que também é de saudar, uma vez que este domínio, que tem 10 itens num total de 21 da prova, incluindo a questão sobre as figuras de estilo, reforça o papel do conhecimento da língua como suporte para a compreensão e o sentido dos textos propostos.
A prova tem, assim, um total de 21 itens de avaliação, dos quais um é de resposta extensa, 3 são de resposta restrita e 17 são itens de seleção:
- Globalmente, portanto, a prova tem 17/21 itens de seleção (80,9%). Todos os itens de seleção têm a mesma pontuação (4 pontos), sendo 16 de escolha múltipla e um de ordenação.
- Dois itens de construção (4. e 11.) valem 6 pontos, por incluírem aspetos de conteúdo e de correção linguística, o que nos parece correto.
- Um item de construção (13.), também de resposta restrita, vale 8 pontos, porque há uma maior valorização dos aspetos de conteúdo (6 e não 4 pontos, como acontece com os itens 4. e 11.), o que se pode justificar por se tratar de uma questão de educação literária, mas que reforça uma dupla penalização: mais pontos para um item mais difícil, cujos critérios de correção preveem a total penalização dos aspetos de conteúdo se os alunos não integrarem corretamente o primeiro tópico da resposta.
- Um item de construção, de resposta extensa (14.), vale 20 pontos, tendo em conta 5 parâmetros, cada um dos quais com uma pontuação máxima de 4 pontos – tendo todos adequados, claros e corretos descritores de desempenho.
- Pela realização de inferências, ou pelo estabelecimento de relações com um certo grau de complexidade entre diferentes elementos textuais, a prova tem um conjunto de 9 itens (9/21 = 42,8%) com maior grau de complexidade ou que envolvem níveis cognitivos mais elevados, apesar de serem adequados à faixa etária à qual se destina.
- A dificuldade global da prova é adequada, ainda que relativamente elevada num grande conjunto de itens.
- Relativamente ao formato eletrónico, a prova segue o mesmo modelo e estrutura da prova em papel, tendo os alunos a possibilidade de confrontar os textos (B, C ou D, já que o texto A é um áudio) ao lado das perguntas ou em janela que abre, de modo a poderem fazer a sua releitura ou confrontar passagens. No caso dos itens de resposta restrita ou longa, os alunos têm uma janela onde podem escrever a sua resposta, com as ferramentas básicas de edição de texto (e algumas que não se aplicam a esta prova, como a adição de som ou imagem).
- No entanto, as ferramentas disponíveis não permitem competências específicas da disciplina de Português, tendo implicações ‘redutoras’ em ações estratégicas decisivas, como é o caso das técnicas de leitura de textos associadas a técnicas de escrita (sublinhados, esquemas, notas na margem…). De facto, as ferramentas disponíveis permitem ler e reler sempre os textos de suporte dos itens da provas, mas não permitem sublinhar nem fazer esquemas para que os alunos possam destacar a informação que considerarem pertinente e assim responderem melhor às questões apresentadas. Por outro lado, a planificação da produção escrita no item de construção de resposta extensa (14.) exige papel e caneta – o que requer mais tempo para a sua realização (tendo em conta o tempo para depois o aluno digitar a textualização final no computador), ou corre-se o risco de as provas em formato digital contribuírem para incentivar a escrita de textos ‘não planificados’ e tendencialmente mais curtos.
- Por outro lado ainda, na versão consultada em linha como convidado, em junho, o corretor ortográfico estava ativado (num computador Mac com browser Safari), o que permitia assinalar ou corrigir erros cujas ocorrências são contabilizadas enquanto erros de correção linguística, o que cria (criará, se o corretor não tiver sido desativado na prova efetiva realizada pelos alunos) problemas de equidade entre diferentes grupos de alunos, apesar de se tratar de uma amostra piloto, em 2023, com um grupo limitado de alunos a realizar a prova eletrónica.
- A prova 91 da segunda fase tinha dois itens que, no momento da auditoria, colocavam problemas de correção científica (itens 5.1 e 7.4), mas que foram reformulados na versão final, que tem uma dificuldade global adequada, sendo uma prova mais equilibrada do que a da primeira fase, por várias razões:
– enquanto os quatro textos da prova da fase 1 exigiam 19 notas de vocabulário, a prova da fase 2, que segue a mesma estrutura geral e também apresenta um excerto de Os Lusíadas (uma estrofe e não duas, o que aumenta um pouco a dificuldade do item 8) e um texto dramático, precisou de incluir um total de apenas 5 notas sobre o vocabulário apresentado;
– as questões de gramática, que são habitualmente mais difíceis para os alunos, perfazem um total de 7 itens, enquanto a prova da fase 1 apresenta um total de 10 itens de gramática;
– a prova da fase 2 apresenta uma maior diversidade de géneros textuais, incluindo o texto dramático, enquanto a prova da fase 1 centra a avaliação da educação literária nos textos narrativos; por outro lado, a prova da fase 2 apresenta ainda um texto de divulgação filosófica de características expositivas, o que é uma alternativa interessante em relação a outros textos expositivos.
Ficheiros disponíveis no IAVE: prova, prova em formato eletrónico, áudio, critérios de classificação.
Lisboa, 28 de junho de 2023
A Direção da Associação de Professores de Português