Reflexão da APP sobre o perfil docente para PLNM

No âmbito do Plano Estratégico para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira, e no que se refere à Medida/Atividade 2.2. Definição de um perfil para a docência que considere, para além da qualificação profissional para o ensino do Português e de Línguas Estrangeiras (LE), designadamente no âmbito dos Grupos de Recrutamento 110, 200, 210, 220, 300, 310, 320 e 330, a posse de formação especializada ao nível de mestrado na área do português (PLNM, PLE, PLH, PLA…) por parte de titulares de qualificação profissional ou de habilitação própria para outros grupos de recrutamento, a direção da Associação de Professores de Português propôs à Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) a seguinte reflexão sobre o Perfil para a Docência de PLNM.

Perfil para a Docência de PLNM

 

Tópicos:

 

i. Ter em conta as recomendações da APP no âmbito do Plano Estratégico para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira, das Áreas prioritárias de formação dos professores de Português e da Formação inicial de professores.

 

ii. Tendo em conta essas recomendações, sugerimos que:

a. Se deve garantir uma formação inicial científica robusta, de preferência num mestrado em ensino de duas disciplinas (Português / Língua Estrangeira), com pelo menos 120 uc[1] para o ingresso nesse mestrado.

    1. A área de Português deve ter pelo menos 60 uc, ou 75% de 60 créditos se o licenciado vier de uma área diferente, de modo a realizar os restantes 25% durante o mestrado, nomeadamente:
      1. mínimo de 24 créditos em linguística e gramática;
      2. mínimo de 24 créditos em literatura portuguesa e outras uc de língua portuguesa;
    2. Se um licenciado vier de uma área diferente, 75% desse valor (i.e., 45 créditos) teria de incluir necessariamente:
      1. 18 créditos em linguística e gramática;
      2. 18 créditos em literatura portuguesa e outras uc de língua portuguesa.

b. A formação em didática deve integrar didáticas específicas na língua não materna, em diferentes domínios (oralidade, leitura, escrita e interação cultural seriam os mais importantes)[2].

    1. De facto, é importante ter em conta que muitos professores de PLNM não têm formação em didática específica dessa disciplina e de haver escassez de recursos e materiais.
    2. Assim, a formação em didática deve integrar ainda o estudo de sociodidática para os aprendentes da língua de acolhimento poderem estudar uma língua no contexto em que ocorre essa aprendizagem. Esta não é uma abordagem assumida na aprendizagem dos futuros professores de PLNM, mas pode constituir uma resposta para os problemas de aprendizagem dos alunos ao permitir o cruzamento entre a sociolinguística e a didática. Num contexto de falta de professores, é um problema maior que os professores recém-formados continuem a ter a ‘formação clássica’ que havia (e continua a haver), em vez desta nova perspetiva, que é importante num contexto também de escassez de recursos e materiais, e de muitas vezes o trabalho realizado não ter em conta o perfil sociolinguístico e escolar dos alunos imigrantes e de as escolas não terem autonomia suficiente para lidarem com esta situação complexa, que exigiria, em muitos casos, que os alunos recém-chegados tivessem uma imersão prolongada (de pelo menos um semestre) em língua portuguesa.
    3. Os estudos de mestrado deveriam incluir a competência intercultural, para podermos ter nas escolas professores cultos e interculturais, que possam considerar a relevância da interculturalidade, em cuja perspetiva a diversidade (de línguas, valores e culturas dos alunos) surge como um ativo e não como um problema, ou seja, como uma oportunidade para aprender, e não como um obstáculo.
    4. Os estudo de mestrado devem integrar a perspetiva da variação linguística como propriedade essencial das línguas, de modo a combater preconceitos e incentivar a tolerância linguística.

c. A formação acima prevista é obrigatoriamente complementada com um ano de estágio “robusto com atividades de ensino” (com atribuição de bolsas de estágio aos estagiários não titulares de turma que têm o apoio de um professor cooperante) e um ano de indução, depois de obtida a profissionalização, mantendo a ligação às instituições do ensino superior e às escolas cooperantes, em articulação com a formação contínua e com redução de horário.

d. Deve ser garantida formação contínua adequada e especializada dos professores de Português em didática de PLNM, de modo a «flexibilizar as práticas de ensino, adequando-as às necessidades dos alunos e mobilizando os seus conhecimentos linguísticos e outros, de modo a facilitar o acesso ao currículo comum, e garantir a integração dos alunos, não só a nível escolar, mas também a nível socioafetivo»[3], tendo em conta a língua portuguesa numa perspetiva de comunicação, com forte consciência intercultural e dando tempo ao ritmo de aprendizagem dos alunos.

e. Não há vantagem, pelo menos no curto e médio prazo, tendo em conta a escassez ‘crónica’ de falta de professores, em termos um grupo específico de docência para o PLNM, sendo preferível dar aos professores de Português / Língua Estrangeira a formação adequada nessa didática específica.

 

iii. Complementarmente, A Associação de Professores de Português (APP) destaca ainda as seguintes recomendações que decorrem do que dissemos anteriormente (e que retomam algumas das recomendações do CNE sobre este tópico – cf. Recomendação 3/CNE 2022):

    1. Garantir que todos os alunos estrangeiros tenham aulas de PLNM, mesmo no caso dos agrupamentos ou escolas não agrupadas que têm um número de alunos inferior a 10, o que atualmente inviabiliza a abertura de uma turma de Português Língua Não Materna.
    2. Monitorizar e apoiar programas de aprendizagem de PLNM que tenham em conta um adequado perfil sociolinguístico e escolar dos alunos imigrantes.
    3. Criar uma plataforma de PLNM que disponibilize recursos e materiais, divulgue boas práticas e permita um trabalho em progresso de colaboração entre professores, investigadores e especialistas.
    4. Monitorizar e divulgar práticas bem-sucedidas que possam ser replicadas de educação inclusiva e de acolhimento dos alunos imigrantes, quer a nível local, quer escolar.
    5. Disponibilizar, com o apoio da tutela educativa, informação traduzida nas línguas dos alunos sobre o sistema educativo, o seu funcionamento, os procedimentos administrativos – sob a forma de guias de acolhimento.
    6. Desenvolver parcerias entre autarquias e escolas para rentabilizar recursos necessários, que frequentemente as escolas não têm e de que necessitam, como mediadores interculturais e tradutores, que possam fazer a necessária mediação entre as escolas, a comunidade e as famílias.
    7. Apoiar medidas que contribuam para sensibilizar as comunidades educativas para a variação linguística como propriedade essencial das línguas, de modo a combater preconceitos e incentivar a tolerância linguística.
    8. Permitir que os alunos possam aceder, na biblioteca das escolas, a livros e recursos, digitais ou não, nas suas línguas maternas, de modo a permitir o desenvolvimento da sua literacia nessas línguas, o que pode incluir a tradução ou legendagem de recursos já existentes.
    9. Criar nas escolas contextos favoráveis ao envolvimento dos pais e encarregados de educação dos alunos estrangeiros na sua educação, com guias de acolhimento nas suas línguas maternas e a participação em cursos de língua portuguesa.

 

Lisboa, 4 de outubro de 2024

 

A Direção da Associação de Professores de Português

 

 

 

Fonte da imagem aqui.

 

[1] Os créditos referidos são ECTS (Sistema Europeu de Transferência e Acumulação de Créditos).

[2] Ter em conta os recursos escassos, desatualizados e nem sempre com qualidade que estão disponíveis para os professores criarem experiências de aprendizagem e responderem às dificuldades dos alunos que têm línguas maternas muito diferentes.

Complementarmente, seria importante garantir que todos os alunos estrangeiros tivessem aulas de Português Língua Não Materna, mesmo no caso dos agrupamentos ou escolas não agrupadas que têm um número de alunos inferior a 10, o que atualmente inviabiliza a abertura de uma turma de PLNM.

[3] In Português, língua não materna no currículo nacional, DGE, 2005, p. 4.