Tópicos sobre a desmaterialização da avaliação externa (DAVE)

A Associação de Professores de Português (APP), em reunião de direção e após uma auscultação aos sócios, em 2022, considera que a desmaterialização da avaliação externa (DAVE) introduz um forte potencial de aperfeiçoamento das provas por permitir melhorar a fiabilidade na sua classificação e na validade dos resultados obtidos, possibilitando que os professores classificadores se possam especializar em determinados itens, nomeadamente nos de construção, e tudo isto num contexto em que esta mudança de paradigma é relevante do ponto de vista ecológico e económico. No entanto, para esta mudança de paradigma poder ser também relevante de um ponto de vista didático e pedagógico, importa, em primeiro lugar, garantir a comparabilidade das provas numa série longa de resultados, de modo a que a sua estrutura e a dos itens possam ser comparadas entre provas de diferentes anos.

As principais questões, preocupações e aspetos positivos colocados com esta mudança podem ser agrupados em questões pedagógico-didáticas e questões técnicas, nomeadamente:

  1. Questões pedagógico-didáticas:
    1. A comparabilidade entre provas de diferentes anos permite encontrar um retorno formativo nas provas sumativas (de avaliação externa), uma vez que se torna possível estudar a resposta de diferentes ‘gerações de alunos’ (a taxa de acerto) a itens com níveis diferentes mas comparáveis de complexidade cognitiva.
    2. A tecnologia pode colocar limitações em competências específicas da disciplina de Português, tendo implicações ‘redutoras’ em ações estratégicas decisivas, como é o caso das técnicas de leitura de textos associadas a técnicas de escrita (sublinhados, esquemas, notas na margem…).
    3. Os textos apresentados nas provas devem poder ser sublinhados para que os alunos possam destacar a informação que considerarem pertinente e assim responderem melhor às questões apresentadas.
    4. A planificação da produção escrita num item de construção de resposta extensa exige papel e caneta – o que requer mais tempo para a sua realização (tendo em conta o tempo para depois o aluno digitar a textualização final no computador), ou o risco de a DAVE contribuir para incentivar a escrita de textos ‘não planificados’ e tendencialmente mais curtos.
    5. A perícia dos alunos com a tecnologia introduz (ou pode introduzir) uma desigualdade suplementar, que terá de ser compensada, em parte, com uma maior extensão do tempo de duração das provas.
    6. A exigência de mais tempo reforça a necessidade de a cotação dos itens não estar alocada ao tempo que os alunos demoram a responder (i.e., à dificuldade dos itens).
    7. O grau de dificuldade dos itens vai depender também da forma como os alunos respondem num paradigma ‘tecnológico’ diferente e esse aspeto deve ser tido em conta na conceção e elaboração de itens necessariamente diferentes.
    8. A proximidade ‘espacial’ entre textos e questões no enunciado da prova permitirá que os alunos não estejam sempre a mover as páginas do enunciado para cima e para baixo.
    9. A possibilidade de visualizar duas páginas lado a lado é uma vantagem em termos de leitura global (do texto ou enunciado) se o texto não ficar mais reduzido.
    10. Nos itens de construção, no caso de resposta restrita, devem ser privilegiados os exercícios lacunares com ‘janelas de resposta’ que apresentem várias hipóteses de solução, de modo a que o aluno apenas selecione a resposta correta e não tenha de a escrever, evitando-se, assim, as possíveis incorreções gráficas que dariam origem a respostas diferentes das soluções previstas.
    11. Deve continuar a haver versões diferentes da mesma prova no caso dos itens de seleção.
    12. O corretor ortográfico deve ser removido, de forma a poder ser avaliada a correção linguística em relação à ortografia.
    13. Como a correção linguística será necessariamente afetada por erros de digitação, os critérios de correção deverão prever uma tipologia de erros que tenha em conta esse tipo de ocorrências.
    14. Os critérios de correção do parâmetro de estrutura e coesão do discurso devem ter em conta que podem ocorrer falhas na pontuação por erros de digitação.
    15. A formação atempada de professores e alunos nos aspetos específicos da plataforma em que vão ser realizadas as provas e o conhecimento prévio das suas características (plataforma e provas) permitirá reduzir o efeito de surpresa que prejudica a validade da avaliação.
    16. As competências digitais da maior parte dos alunos não são satisfatórias para responder a vários tipos de questões e para escrever textos em linha – o que exige mais formação nesse tipo de literacia e que esse aspeto seja tido em conta na elaboração das provas e dos itens.
    17. A DAVE vai contribuir certamente para uma massificação da tecnologia em sala de aula e para uma perda de motricidade fina, o que poderá ser compensado com exercícios de ‘recuperação’.
    18. Os alunos das escolas que já generalizaram o recurso a tablets e computadores, em detrimento de cadernos e manuais, estão em vantagem ‘competitiva’ relativamente aos alunos de escolas mais tradicionais, o que cria certamente um enviesamento na equidade entre os alunos perante as provas em formato eletrónico.

 

  1. Questões técnicas
    1. Os computadores dos alunos podem não ser suficientes para a realização da DAVE a todo o universo de estudantes, por várias razões (avaria, falha técnica, autorização dos encarregados de educação…).
    2. Deve ser garantida a equidade no acesso aos equipamentos – alguns alunos podem trazer computadores com características diferentes que tornam o processo de resposta mais rápido, introduzindo uma desigualdade suplementar no tempo de realização da prova.
    3. Todos os computadores devem ser compatíveis com as características das provas das várias disciplinas.
    4. Não é claro se as provas serão realizadas em linha em tempo real ou offine. (i) No caso de serem em linha em tempo real, deve ser tida em conta a largura de banda da rede de acesso em todas as salas, de modo a que a plataforma não fique lenta ao ponto de os alunos não conseguirem avançar para uma questão seguinte. (ii) Ainda no caso de serem em linha em tempo real, deverá ficar garantida a desativação do acesso à pesquisa de respostas na internet.
    5. Deve ser garantido o acesso fácil a carregadores de bateria, de modo a que a durabilidade das mesmas (menor em equipamentos mais antigos) não prejudique nenhum aluno.
    6. Devem ser garantidos equipamentos de recurso: computadores, cabos, carregadores de bateria, tomadas.
    7. Devem ser garantidos técnicos de apoio em número suficiente para ajudar nas dificuldades que possam ocorrer em salas diferentes ao mesmo tempo.
    8. O número de salas necessárias para a realização das provas será tipicamente maior, uma vez que é preciso acomodar e distanciar mais o equipamento dos alunos – ou criar barreiras visuais para os alunos não verem os ecrãs uns dos outros. 

      Em suma, e tendo em conta os aspetos anteriormente apontados, parece-nos que a DAVE reforça uma inevitável mudança de objetivos nas provas de avaliação externa – servirem mais para aferir o sistema do que para certificarem a conclusão de um determinado ciclo de estudos –, contribuindo, desse modo, para a qualidade, eficácia e eficiência do sistema educativo, se as dúvidas e preocupações indicadas neste documento puderem ser respondidas.

      Lisboa, 14 de novembro de 2022

      A direção da APP

       

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