Tópicos sobre os resultados dos alunos na prova final de ciclo (9.º ano, código 91)

Apesar de os dados disponíveis ainda serem escassos, a direção da Associação de Professores de Português fez uma reflexão sobre os resultados dos alunos na prova final de ciclo (9.º ano, código 91), em 2024, tendo em conta alguns dados dos anos anteriores, num contexto complexo em que há insuficiência de professores e não há estudos que permitam quantificar, de forma clara, o efeito dos planos de recuperação nas aprendizagens dos alunos.

i. A descida de 2 pontos na média da prova 91, em 2024, relativamente a 2023 (na verdade, 1,5 pontos, uma vez que a média em 2023 foi de 60,5), com um número de provas realizadas que é basicamente igual (menos 661 alunos = -0,71%), mostra um alinhamento geral de resultados, que reflete uma prova cuja estrutura é igual à do ano anterior, com 21 itens de avaliação, dos quais um é de resposta extensa, 3 são de resposta restrita e 17 são itens de seleção, tal como em 2023, sendo a resposta extensa um género textual bem conhecido dos alunos (um texto de opinião, que teve uma média positiva alta de 68,8% no ano passado). A prova tinha 9 itens sobre o domínio da gramática e um total de 9 itens de maior grau de complexidade cognitiva, ainda que adequados à faixa etária a que se destinam.

ii. A dificuldade global da prova é adequada, ainda que relativamente elevada num grande conjunto de itens, tal como em 2023, apesar de haver mais itens de gramática este ano (um total de 9/21 = 42,9%, enquanto em 2023 havia 7/21 = 33,3%), o que pode explicar em parte a ligeira diferença de resultados, sobretudo porque em 2023 só 2 itens de gramática eram de maior complexidade cognitiva (28,6%), enquanto em 2024 há 7 itens (77,8%) com maior complexidade, tratando-se sempre, em 2023 e 2024, de itens de seleção.

iii. Em todo o caso, devemos destacar o facto de não haver uma relação direta entre esse grau de complexidade e o resultado dos alunos, o que mostra que estes conseguem resolver bem muitos itens que envolvem inferências e habilidades cognitivas mais elevadas. Por ex., em 2023, dos 7 itens de gramática, 2 eram de maior complexidade e os alunos obtiveram uma média positiva num deles (com 58,5%) e muito positiva no outro (com 91,7%), enquanto em 2 dos restantes 5 itens menos complexos (40%) os alunos tiveram uma média negativa.

iv. Mais relevante parece ser a relação entre a complexidade cognitiva e o tipo de item. Havendo o mesmo número de itens de seleção e de construção em 2024 relativamente a 2023, podemos antecipar que o resultado satisfatório obtido pelos alunos se deve, em parte, ao número elevado de itens de seleção (80,9%), que correspondem a 68/100 pontos. Em 2023, relativamente aos itens com maior complexidade cognitiva, só 1 dos 3 itens de resposta restrita teve uma média positiva baixa (53,3%) – tendo os outros dois itens uma média fraca (43,0%) ou muito fraca (29,1%), – enquanto 2/3 dos itens de seleção tiveram uma média positiva.

v. Todos os itens de seleção têm a mesma pontuação (4 pontos) e foram todos de escolha múltipla. Neste contexto, o parecer da APP refere que «Tendo em conta a presença de quase 81% de itens de seleção, com um peso de 68/100 pontos, podemos sugerir que, nos próximos anos, haja um maior equilíbrio entre os itens de seleção e os de construção, nas provas finais de ciclo, mas mantendo sempre, naturalmente, o rigor científico e uma extensão e exigência adequadas para o nível etário em provas calibradas com níveis elevados (e exemplares) de complexidade cognitiva.»

vi. Por outro lado, o facto de a prova ter mantido a sua estrutura e ter sido realizada em papel poderá ter ajudado a calibrar uma estabilidade nos resultados dos alunos, num contexto em que a falta de professores, que se agravou relativamente a 2023, criou algum efeito – que não conseguimos quantificar – nas aprendizagens dos alunos e na sua consolidação.

Efetivamente, como dissemos no parecer sobre a prova 91, «O facto de a prova não ter sido realizada em formato eletrónico permitiu que os alunos utilizassem competências específicas da disciplina de Português, com implicações positivas em ações estratégicas decisivas, como é o caso das técnicas de leitura de textos associadas a técnicas de escrita (sublinhados, esquemas, notas na margem…). De facto, as ferramentas disponíveis no formato eletrónico continuam a não permitir sublinhar nem fazer esquemas para que os alunos possam destacar a informação que considerem pertinente (nos textos ou no enunciado dos itens da prova) e assim responderem melhor às questões apresentadas. Por outro lado, a planificação da produção escrita no item de construção de resposta extensa (21.) realiza-se mais facilmente com papel e caneta – não se correndo, assim, o risco de incentivarmos a escrita de textos ‘não planificados’ e tendencialmente mais curtos, como poderia acontecer na escrita em computador. Este desafio tecnológico é muito importante para um maior sucesso na realização de provas como a de Português, em 2025, se for retomado o modelo das provas em formato eletrónico.»

vii. Mais relevante do que a descida de 1,5 pontos, será a análise, que não podemos fazer agora, da dispersão dos resultados: em 2022, havia mais alunos nos extremos do que em 2019, antes da pandemia, ou seja, mais alunos com nível 100 mas menos alunos no intervalo 90%-100% e, sobretudo, mais 58% de alunos com resultados inferiores a 40%: 9443 em 2019 vs. 14911 em 2022. Em 2023, o número de alunos com resultados inferiores a 40% baixou para 8529, um valor inferior ao resultado antes da pandemia e que é um indicador positivo, que teremos de ver se se mantém em 2024.

viii. Tudo o que se poderia dizer sobre o plano de recuperação das aprendizagens face a esta prova será provavelmente prematuro: não conseguimos ‘quantificar’ resultados nem o impacto que esse plano poderá ter tido nas aprendizagens dos alunos que podem ser avaliadas nas provas externas de avaliação, ou qual o peso que a própria falta de professores tem tido na maximização do efeito desse plano, por exemplo. Faltam-nos estudos que permitam quantificar, de forma clara, o efeito dos planos de recuperação nas aprendizagens dos alunos, ainda que os resultados das provas finais de ciclo de Português pareçam sugerir que há um efeito positivo.

ix. No entanto, dado o contexto em que cerca de 35% dos alunos nunca ou raramente leem livros[1] e em que a escola não sabe muito bem o que fazer, nomeadamente em termos de literacia de leitura, com os alunos que ficam retidos nalgum ano – bem como com os alunos com medidas seletivas e adicionais ou que nem sequer têm o português como língua materna –, considerando ainda que a população escolar é cada vez mais heterogénea (havendo mais alunos provenientes de famílias desfavorecidas no sistema de ensino), que há um distanciamento face à biblioteca escolar dos alunos com poucos livros em casa e que a escola tem respondido com uma baixa exposição a atividades de leitura e de escrita nas aulas de Português (apenas um em cada três alunos – 34,9% – tem uma exposição alta), neste contexto de ‘tempestade perfeita’ sugerimos que os planos de recuperação das aprendizagens, que permitam aumentar o número de alunos com desempenho elevado (top performers), incidam numa exposição alta a atividades de leitura e de escrita, que tipicamente devem ocorrer na aula de Português, com recurso a didáticas que privilegiem as competências mais complexas definidas no Perfil dos Alunos, o que sabemos que tem um impacto efetivo nas práticas de leitura dos alunos.

x. Por outro lado, num contexto de insuficiência de professores de Português durante uma década, pelo menos, e em que parece não haver capacidade instalada no ensino superior para responder rapidamente a esta necessidade urgente, será preciso dar continuidade a áreas prioritárias de formação (ver documento da APP aqui), tendo em conta o pluricentrismo da língua portuguesa, e prever projetos de apoio aos professores (mais jovens) que previsivelmente vão entrar nos próximos anos no sistema educativo.

 

Lisboa, 9 de julho de 2024

A direção da Associação de Professores de Português

 

 

Fonte da imagem aqui.

 

[1] Mata, João Trocado da, & Neves, José Soares (Coords.) (2020). Práticas de Leitura dos Estudantes dos Ensinos Básico e Secundário – Primeiros resultados. PNL/ISCTE.